[CONTINUAÇÃO]
Encontrar condições perfeitas para praticar o zazen não é uma boa ideia. Um bom zazen é feito num lugar barulhento. Sim, é bom se vocês um dia estiverem em um lugar bonito, com o som de um riacho, o som dos pássaros – sim, isso é muito bom. É saudável. O barulho da cidade, a confusão, não é uma coisa muito boa. Mas quando nós praticamos o zazen, nós praticamos tudo. Nada fica de fora. Se praticarmos aqui, o Zen que se estabelece é aqui, com barulho de carro, de megafone, de pessoas falando.
Existe um dito que afirma que o Zen nós praticamos na esquina da rua. Sentados na esquina da rua. Praticar quando há sons saudáveis é fácil. Os sons favorecem isso. São os sons da natureza, extremamente bons de se ouvir. Praticar com buzina, com gente gritando, britadeira, esse é o desafio. É nessa hora que nós precisamos refletir e pensar onde está o meu Zen. Lidar com a vida como ela é, é parte do treinamento. E, quanto mais vocês compreenderem isso, quando vocês voltarem as vidas de vocês, vocês vão perceber que as dificuldades, os obstáculos que vocês têm nas suas vidas, os problemas de relação, as preocupações no trabalho, isso faz parte do Zen. Não são coisas que vocês tem que negar ou reprimir. São coisas que vocês precisam compreender.
Teishō é o nome que se dá ao que eu estou fazendo agora: a palestra de Dharma. O teishō é um ensinamento que se faz muitas vezes nos monastérios durante o próprio zazen. Logo no início, nos primeiros 10 minutos do zazen, o mestre, no silêncio, começa a falar. Ouvir um teishō é como praticar o zazen: não mudou. Vocês não olham para o professor, não saem da posição, vocês mantêm a atitude. Ouvir o ensinamento é muito além do que ouvir uma pessoa falando coisas exóticas ou o que, infelizmente, o mundo de hoje considera clichês: a vida é equilíbrio – é necessário harmonia interior. Esses são ensinamentos válidos, que se tornaram um clichê na nossa sociedade. Porque muitas pessoas repetem isso como papagaios. E se torna cansativo ouvir isso. Mas isso não significa que esses ensinamentos não sejam verdadeiros.
E enquanto vocês ouvem: vocês devem praticar, ao máximo possível, a escuta atenciosa. Porque, nesse momento, eu estou me esforçando ao máximo para passar a vocês o verdadeiro ensinamento. Porque eu não preparei – eu nunca preparo essas palavras que eu falo. Eu nunca sei o que vou falar. No momento em que eu toco o sinal do fim do zazen, eu faço a reverência e eu respiro. Na hora que eu respiro eu pergunto para mim mesmo: “o que você vai ensinar?”. O que eu estou falando agora é absolutamente espontâneo. Ele vem diretamente do meu coração e da minha mente. A prática de vocês é tentar se esforçar ao máximo para ouvir com o coração e com a mente. E isso é o Zen. Essa é a história do Zen. Por milhares de anos, essa é a história do Zen. Palavras em silêncio transmitida de coração para coração, de mente para mente. O desafio é entender o que não é dito. É compreender o silêncio mesmo no barulho. É encontrar em vocês mesmos a determinação, a paciência, a coragem e a humildade de descobrir a si mesmos em um giro de flor, o barulho da chuva, a buzina do carro.
Aqui e agora, vocês existem. Aqui e agora, esse fluxo constante de tempo, é o único tempo que nós temos. Nós não temos outro tempo. O passado não volta, o futuro ainda não chegou. Nenhum de nós se define além do aqui e agora. Respirar e se abrir para o ensinamento além das palavras. Essa é a essência do Zen. Essa é a verdadeira história do Zen. Todos nós aqui continuamos a exercitar essa história. E quando compreendemos isso, nós compreendemos que o Zen é muito mais do que religião ou espiritualidade ou instituição. O Zen é uma experiência delicada e pessoal.
Se vocês estiverem dispostos a continuar a praticar, essa experiência vai sempre se estabelecer enquanto vocês se dedicarem à ela. Porque esse é o último e fundamental aspecto do Zen. O Zen é liberdade. Não é doutrina, não é proselitismo, não é fanatismo. Zen é pura experiência humana. E dessa forma todos devemos nos esforçar o máximo possível.
Teishō proferido por Kōmyō Sensei em 5 de julho de 2023 na sangha de Rio de Janeiro.