Zazen e o ambiente - Parte 1 | Monge Kōmyō

Zazen e o ambiente - Parte 1 | Monge Kōmyō

Uma característica que eu sempre repito em relação ao Zen Budismo é que ele é uma prática. Prática também é o chamado Dharma do Buddha. O corpo de ensinamentos do Buddha é apresentado para que nós possamos experimentar, investigar e observar esses ensinamentos na prática. Eu sei que para pessoas iniciantes é um pouco confuso entender exatamente o que que é a prática. A nossa mente, a mente humana, a mente moderna, ela trabalha muito em cima de um manual específico de como fazer as coisas.
Muitas pessoas gostam disto, faça assim, faça assado, o resultado vai ser esse. Mas quando nós estamos falando da tradição Zen Budista, e quando estamos ensinando sobre o Dharma de Buddha, esse tipo de estrutura mental não vai funcionar. É por isso que, como eu sempre procuro ensinar, o Zen não pode prometer nada a ninguém. Eu não posso vender à vocês paz e tranquilidade. Eu não posso chegar para vocês e dizer: “vocês vão se tornar pessoas tranquilas e pacíficas se vocês praticarem por três meses”. E não é assim porque a realidade humana é muito complexa. A realidade de vocês é muito complexa. Um aspecto que desde quando eu comecei eu sempre fiquei muito maravilhado é quando eu consegui compreender que o modo de interpretação da mente está muito caracterizado em função da natureza de cada um, da história de cada um, da forma como cada um interpreta, inclusive, o significado de palavras. Por isso que o diálogo é tão difícil, pessoas tentando falar as mesmas coisas acabam entendendo coisas completamente distintas. É por isso que no campo da política, da religião, e até mesmo do campo social hoje em dia, é muito difícil fazer com que as pessoas consigam concordar com alguma coisa.
Existe essa premissa de que o saudável é poder lidar com a discordância, isso é dito porque interpreta-se a discordância como diversidade, diversidade de opiniões, etc. O Buddha ensina que a discordância não leva a qualquer lugar. Apenas exacerba orgulhos e vaidades do Eu, ou intelectualidades do Eu. Diversidade é exatamente a riqueza de interpretação dos indivíduos humanos, mas diversidade não precisa ser discordância. Daí vem o cerne do ensinamento de Buddha, que está nas suas Quatro Nobre Verdades, é que cada um de nós, apesar de narrativas pessoais, histórias pessoais, opiniões, conceitos e preconceitos, cada um de nós pode transformar e curar os aspectos da nossa mente que levam à distorção. Ainda que todos nós sejamos diversos, é possível, essa é a Terceira Nobre Verdade de Buddha, é possível atingir um estado da mente onde todos nós possamos compreender a concordância. Compreender o denominador comum, mesmo diante da diversidade. E ao compreender esse denominador comum nós chegamos à capacidade de compreender um ao outro, apesar de cada um aqui ter uma história diferente. E nenhum de nós pode viver a história do outro.
A prática tem como objetivo fazer com que a pessoa compreenda o valor de observar as coisas. Não se prender demais a alguma coisa, nem rejeitar aquilo, nem se tornar indiferente à ela. A prática, essa é a base da base da base da pratica zazen, é fazer com que as pessoas aprendam a observar. Observar! Eu não estou nem falando de observar a si mesmo ainda. Quando nós praticamos, na tradição Zen, praticamos o zazen, procura-se sempre ensinar que nós temos que observar o que está fora e o que está dentro.
Um aspecto muito difícil de desmontar é que na nossa concepção ocidental, basicamente, o exercício de contemplação, que nós chamamos também de meditação, ele é um exercício de introspecção. Então nós meditamos, nós praticamos a contemplação, para nos encontrarmos, ou mesmo observarmos nosso silêncio, etc etc. O Zen diz: “sim, isso também é válido e necessário”. Mas, no zazen, quando nós estivermos na prática, nós temos que aprender a observar o que está fora também. Porque a observação do que é externo é extremamente importante para que nós possamos compreender a própria diversidade dos fenômenos, não só a diversidade dos indivíduos, mas a diversidade dos fenômenos, e aos poucos valorizar isso. Então hoje, aqui na prática, particularmente, foi muito barulhento hoje. Pessoas conversando, um carro sempre passa, um barulho aqui, um barulho ali. Tudo isso que acontece, todos esses barulhos, eles são parte da prática. Nós não podemos rejeitá-los, “que chato, quero praticar em silêncio”.

[CONTINUA]


Teishō proferido por Kōmyō Sensei no dia 28 de janeiro de 2023 na sangha do Rio de Janeiro.