(continuação de palestra em Goiânia)
Pergunta – E o carma familiar? De que forma isso é passado para as outras gerações?
Monge Genshô – Você só nasce numa família porque tem carma para nascer nesta família. Você não nasce numa família estranha a você. Você nasce numa família, numa cultura adaptada a você, com determinados pais, você se sente atraído por aquele país. É por isso que você está lá, não é de graça. Você morre aqui e agora, é provável que você nasça numa tribo de pigmeus no ex – Congo Belga? Não. Muito difícil, muito longe de você isso. É mais provável que você nasça de novo numa família brasileira, etc, com os mesmos tipos de problemas. E aí eu pergunto: “Porque é que nós brasileiros admitimos os nossos heróis trapaceiros”? Porque é todo mundo trapaceiro. Se não fosse não aceitaria. É porque todo mundo desculpa e porque todos se estivessem numa situação semelhante se aproveitariam. Quando as pessoas vão lá no facebook e protestam, porque vocês sabem que o facebook é um lugar especial onde só há pessoas excepcionais, honestas, que gostam de animais etc, que votam corretamente. Mostram uma face pública. É uma face ideal que as pessoas querem mostrar, mas não é verdadeira.
A verdadeira é a que o voto mostra. Se nós fossemos intolerantes, nós seríamos intolerantes no nosso voto. Como os noruegueses. Eu estudei um tempo na Holanda, e, na Alemanha, quando trabalhava com comercio exterior eu vi com clareza essa atitude que permeia toda a sociedade. Eu vou fazer o certo porque é o certo. Não tem nada a ver com o que eu acho ou com minha vantagem momentânea, mas porque é o certo. O Brasil não é o país do certo e do errado, é um país de pessoas pontuais ou impontuais? “Impontuais”, vocês respondem. Não é verdade. Os brasileiros não vão ao cinema na hora certa? Então os brasileiros são pontuais no cinema, na palestra, etc, por quê? Porque é uma questão de crença. O brasileiro se acha idiota de chegar na hora num lugar e as coisas atrasarem. Mas se é um evento que começa sempre na hora, ele chega na hora.
Como nós pertencemos a uma escola japonesa, a Escola Soto Zen, dizemos: olha, a meditação começa às 19:30, chegue 15 minutos antes porque às 19:30 nós fechamos as portas e as pessoas ficam na rua. Só ficam uma ou duas vezes, depois não ficam mais. Começam a chegar na hora, porque o brasileiro é contextual, ele não quer ser bobo. Está abalada a crença de que brasileiros são impontuais? Eles agem de acordo com as circunstancias.
Pergunta – Sensei, o que eu queria perguntar era exatamente isso, sobre este pessimismo cívico que estamos atravessando agora, de olhar que já vão se aproximando de novo as eleições, e o cenário que se apresenta não e algo que a gente possa realmente gostar. E diante disso tudo, do carma de nosso país, da formação que nós temos, sendo criados por marginais desde o começo, e agora? Diante dessa próxima eleição, nós que tentamos errar cada vez menos, como é que nós devemos olhar?
Monge Genshô – Primeiro eu queria combater a idéia de o motivo é que nós fomos fundados por marginais, porque a Austrália foi fundada por criminosos. Ela era o lugar para onde a Inglaterra mandava os degredados,, a mesma coisa. Nós deveríamos olhar o sistema total, o sistema jurídico etc, a cultura que permeou a formação de um país para ver a sua origem. Como é que nós podemos mudar? Nós temos que mudar nossa cultura. Quanto mais brasileiros vão ao exterior e vêem como funcionam os países, melhor fica. Quanto mais nós absorvermos, quanto mais empresas estrangeiras vierem trabalhar aqui, e se recusarem a agir de forma corrupta, melhor fica. Agora se eles vierem absorver nosso sistema, pior fica. Então nesse momento eu estou fazendo uma consultoria numa empresa japonesa e nós estamos tendo alguma dificuldade com a direção japonesa e com os gerentes brasileiros, porque eu tenho que explicar, para os diretores japoneses, que os brasileiros pensam diferente. “Que não é bem assim”. Os japoneses pensam em bloco. Se um brasileiro roubou, todos os brasileiros são ladrões. Eu digo, “não não, não é bem assim, aqui cada pessoa é uma pessoa, é diferente”. Então há muitos detalhes a serem explicados.
Como nós devemos agir? Como professor budista eu não posso perder metade dos alunos porque tenho determinado posicionamento político e a outra metade por outro posicionamento. Então o que eu posso dizer é, “mude você mesmo, dentro de você”. Esta é a tarefa do treinamento budista. Nós estamos aqui para mudar a nós mesmos dentro de nós. Lá fora nós vamos sair e agir o melhor que nós possamos, dentro daquilo que nós acreditamos que é o melhor, e se nós fizermos isso de maneira honesta, o mundo vai funcionar melhor.
Buda sempre pregou o caminho do meio, e o que seria este caminho o que ele significa? Olhe, os extremos não funcionam muito bem. Nenhum extremo funciona bem. Existem um grande conflitos no nosso tempo: existe o conflito da igualdade em conflito com a liberdade. A liberdade se opõe à igualdade porque os homens são diferentes uns dos outros. Se você prega a liberdade de empreender, liberdade econômica, de agir, de falar e tudo mais, você tem um tipo de sociedade mas ela rapidamente fica cada vez mais diferente, porque umas pessoas são mais talentosas e outras menos.
Não adianta você dizer que é injusto o Neymar ( jogador de futebol) estar ganhando muito. Ele tem um talento especial que está valorizado, é isso, essa é a condição dele. Esse é o mundo da liberdade. Agora, se eu disser assim: eu quero o mundo da igualdade, e todos os jogadores vão ganhar a mesma coisa, não importa quem joga melhor. Rapidamente todo mundo para de se esforçar e os Neymares desaparecem porque não adianta se esforçar, porque se eu me esforçar eu ganho a mesma coisa. Então a liberdade e a igualdade trabalham levando em conta o egoísmo humano. Essa é a grande luta que nós tivemos. Aqueles que tentaram a igualdade a todo custo, saíram matando, para fazer com que a igualdade funcionasse. Vamos matar os proprietários, e todos aqueles que se opõem a nós.
Outros, que tentaram não a igualdade a todo custo mas a liberdade, redundou em que? Enormes desequilíbrios, pessoas que não eram competitivas dentro das sociedades ganhando muito pouco, vivendo muito mal, e outros ganhando muito. Então na verdade, o mundo funciona melhor quando há um certo equilíbrio. Então eu queria voltar ao ensinamento de Buda, o “Caminho do Meio”.
Os governos, as instituições, os países, têm que lutar para, diminuir a injustiça equilibrando as chances. Mas, não se pode levar isso a tal ponto que todo estímulo desapareça. Então, este equilíbrio sutil é a grande vitória de países como a Noruega, Finlândia, que são sociais democracias capitalistas, tudo junto, do Norte da Europa. Eu acho que o Brasil deveria pensar nesses termos, mas ele não consegue se decidir muito bem, então ele ora vai para um lado, para um extremo, ora vai pra outro e como os grupos não sabem pensar muito bem por ter instrução baixa, o pensamento filosófico no Brasil não se consolida e acaba parecendo uma luta entre facções, entre classes, e as lutas nunca redundaram em coisa muito boa. Redundaram na realidade em grande desgaste, por quê?
(continua)