Pergunta – O senhor pode falar mais um pouco sobre forma e vazio?
Monge Genshô – Forma é vazio e vazio é forma. Todas as coisas são vazias de um “eu”, não no sentido de não terem nada dentro, mas sim que não possuem um “eu” inerente. Todos somos vazios de um ”eu” inerente, mas nos manifestamos como pessoas. Toda a forma é vazia, mas se tirarmos a forma não sobra nenhum vazio, não existe algo que resta, pois a forma é vazio e vazio é forma.
Pergunta – Sobre o momento de estar presente. O pensamento sempre vem e nos leva junto. Depois de algum tempo é possível ficar presente sem ser levado pelos pensamentos? É possível segurar os pensamentos e não deixar que eles nos arrastem?
Monge Genshô – Porque você acha que é diferente de seu pensamento? Você e seu pensamento são uma única manifestação. Você só pensa que é você porque pensa. Você pensa por isso pensa que existe, Descartes estava enganado.
Pergunta – Então um peixe não sabe que existe?
Monge Genshô – Exatamente por isso, porque não sabe, é que ele está presente. Aquele que pensa que sabe não está presente, pois está pensando. “Os peixes são verdadeiramente peixes, pássaros são verdadeiramente pássaros, somente os homens não são verdadeiramente homens”.
Pergunta – É verdadeiro dizer que o Zen tem uma espécie de aversão à razão?
Monge Genshô – Pode, mas não significa que você esteja certo.
Pergunta – Uma vez que já somos e apenas não percebemos que somos, o despertar não é algo que tenha que ser atingido, mas sim realizado. Se já somos e já estamos onde deveríamos estar, não há nada a ser feito que demande tempo, pois o tempo e o espaço também são uma ilusão. Certo?
Monge Genshô – Já estamos, de certa maneira, despertos. Todos temos a condição de despertar. Podemos dizer que todos somos Budas e, apenas ainda não o somos completamente, porque ainda estamos vivendo num mundo de sonhos, um sonho muito nítido que nos ilude. A vida é um sonho nítido.
Pergunta – Se um peixe não sabe que existe e por isso é um desperto, ele se compara a um Buda? Existe uma semelhança?
Monge Genshô – Embora o peixe não esteja perdido, tem a obscuridade de um animal, lhe faltam sabedoria e clareza. O homem ganha o pensamento e o raciocínio e neles se perde. Perde a vida, o momento presente e tem medo da morte. Por isso não é um iluminado, mas quando um homem desperta, sua clareza ilumina o universo inteiro. Todo o universo que ele olha se ilumina junto.
Pergunta – Quando um animal se vê ameaçado, rapidamente foge. De certa maneira tem um medo instintivo que o alerta. Também possuímos esse medo, com a diferença que vivemos agarrados a ele. Um animal através desse sentimento, pode também ter um sentimento egóico, ou temos o mesmo sentimento deles, pois também possuímos um mundo animal dentro de nós?
Monge Genshô – Nós somos animais também, apenas gostamos de pensar que somos especiais. Não somos nada além de um primata que evoluiu um pouco mais e tem um cérebro melhor. Mas também porque pensamos, temos uma angústia existencial, pois descobrimos que vamos morrer. Essa é a essência da angústia humana. Foi esse questionamento que levou Buda a abandonar o palácio onde vivia e se perguntar – “Por que existe velhice, doença e morte”? Qual é o sentido da vida? Somos diferentes dos animais porque temos essa percepção do futuro que nos aguarda – velhice, doença e morte – e exatamente por isso sofremos. Por isso os homens criaram as religiões, pois querem escapar desta angústia, por isso procuram crenças. O Zen é a oportunidade de destruir as crenças, não existe no Zen qualquer tipo de dogma, é como disse Buda: “Não acreditem em mim, testem”.