Algumas observações:
Talvez o problema esteja em se supor que existe uma “verdade”, (mesmo para o zen em si, nada pode ser declarado do tipo ” tenho a verdade”, embora alguns budistas fiquem tão convictos de sua escola e conhecimentos que querem impor a outros suas interpretações particulares ou de sua escola) um dos grandes benefícios do método científico foi partir do princípio de que o que a ciência faz é descrever aproximações cada vez mais acuradas dos eventos de maneira a que possam ser criticados por novas observações e assim aperfeiçoados constantemente, isto cria um problema que também aparece várias vezes nos textos que foram postados na lista, o de que a ciência provaria alguma coisa, o que ela pode fazer é provar que uma determinada tese é, a luz das observações possíveis até o momento, bastante acurada, mas certa ou definitivamente provada seria um contrasenso científico, pois isto impediria um novo e mais profundo aperfeiçoamento e ampliado conhecimento.
Seria perigoso que o budismo estivesse alinhado com a ciência de “hoje”, e com a de amanhã? O budismo não tem este compromisso, transitou pela história, felizmente, sem defender uma visão em particular e assim evitou este conflito, seu campo de atuação é outro e posso, como budista, descartar qualquer visão particular que tenha algum mestre budista, descrições míticas nada mais são do que isto, e os textos budistas estão cheios de interpolações, os sutras cresceram impressionantemente de tradução em tradução, cada escola acrescentando o que lhe aprouvesse, e muito do que é atribuído a Buda não sobrevive a uma exegese, boa razão para o zen enfatizar a conexão direta e entender os textos como a útil sabedoria “dos outros”, Abhidharma, que são comentários com muitas versões diferentes, dependendo da escola, incluso.
Quanto a este assunto Ken Wilber (adorado por uns e detestado por outros) propõe que certos métodos simplesmente não se aplicam a certos temas, por exemplo, o método científico da anatomia é excelente dentro de seu objetivo, porém se aplicado ao estudo da consciência ou do amor é inútil, a maior parte do que se lê de estudos sobre o funcionamento cerebral na meditação tem a profundidade da observação de que os amantes dilatam suas pupilas quando veêm o ser amado, ora, dizer que esta verificação explica o amor é quase uma grosseria, é um fato interessante, mas do âmbito da fisiologia, deve ser usado para estudar a manifestação da emoção em fisiologia, mas não para estudar o amor, coisa que passaria ao quadrante de estudo da psicologia talvez.
Assim o estudo da religião em si está em um quadrante diferente do da ciência exata, é interessante ver suas interconexões mas a teoria dos quadrantes descarta a possibilidade de que , em algum tempo, instrumentos pouco sutis possam examinar o que é pura sutileza. Nada disto descarta a ciência e seus siddhis (poderes) maravilhosos é só que o budismo em si está transitando em outro terreno, o próprio Dalai Lama (como o Rev. Wagner observou, respeitado líder de algumas escolas budistas, não de todas…) usou a afirmação de que se a ciência provasse a inexistência de renascimentos ele aceitaria, mas, ao que me lembre, observou a seguir que duvidava que este tipo de prova fosse acessível ao método científico.
Pessoalmente penso que a questão sequer se coloca, e que o âmbito da ciência tem limites naturais de investigação, do mesmo modo que existem os problemas matemáticos indecidíveis.
Outra coisa: a declaração de que o zen está além dos textos é tradicional, porém acharemos inúmeros textos de mestres zen, livros , estudos etc… a declaração se refere a transmissão última, mas não descarta o estudo, vamos achar em Dogen Zenji, a afirmação de que o estudo dos sutras é essencial à prática. Frequentemente estas declarações sobre o zen são contraditórias e precisam ser lidas em seu contexto, elas formam um quadro completo em que pode-se ver, sim, que o estudo dos textos é necessário, em outras ocasiões um obstáculo e que a transmissão em si está separada de tudo isto, mas que dificilmente alguém chega a ela sem passar pelos passos preliminares. Ou seja, com estudo não se vai longe, mas sem estudo não se vai a lugar algum.
Genshô
(Resposta na lista budismo no ano de 2005)