Pergunta: Monge, eu gostaria que o senhor falasse mais sobre o apego.
Monge Genshô – É mais um dos agregados do ego. É como se você fosse algo com ganchos, e no decorrer da sua vida você pendura coisas neste ego. Meu carro, minha casa, minha roupa, meu emprego, meu título. Quanto mais coisas você engancha, maior chance de sofrimento você tem, porque por mais coisas o seu sofrimento vai ocorrer. Você ampliou a área de contato com o mundo, com as possibilidades de sofrimento. O apego são estes ganchos, mas você poderia ter tudo isso sem ser um anzol, sem ter um anzol em cada coisa.
Por exemplo, nós não sofremos por causa de amor. Nós sofremos por causa de apego. Todo mundo entende quando a gente diz que “você tem um filho, daí o filho ganha uma bolsa para estudar no exterior, aí vem uma mãe e diz: ‘não, você não vai, porque você não vai me deixar aqui sozinha’”. Isso é apego. Mas se ela ama realmente este filho, ela diz: – “Meu filho, vai ser tão bom pra ti. Vai!”. Depois ela vai sofrer quando vir o quarto do filho vazio, mas o amor é desapegado. O apego é que é fonte de sofrimento. Como se livrar do apego? Ora, mais compreensão, mais sabedoria. O que você diria para a mãe que diz “não, não vai meu filho?”. Diria, você é uma egoísta, você está prejudicando e impedindo o progresso do seu filho. Você diria isso para ela, não é? Ou seja, você tentaria dar sabedoria para que ela compreendesse que o filho não é uma propriedade dela, algo que ela enganchou, algo que ela não pode largar de jeito nenhum.
Pergunta: Então o não-eu é a dissolução destes papéis? Nós deixamos de ser uma individualidade…
Monge Genshô – Sim! Você usa a individualidade como instrumento, mas você sabe que não é aquilo. “Eu tenho um eu, mas eu não sou aquilo”. Na verdade, vocês pensam: – “Eu estou vendo uma palestra com o Monge Genshô”. Mas o Monge Genshô não é isto que vocês estão vendo. Eu sou uma criatura de sonho, construída para vocês enxergarem. Você todos são criaturas de sonho também. Eu sou uma criatura de sonho falando para criaturas de sonho, por isso morte e nascimento não existem também. Nós acreditamos que nascemos e morremos. Não é verdade! Nós só somos a vida se manifestando. É a vida que nos vive, não somos nós que vivemos a vida. Então, a humanidade vista como um todo é algo lindo. O sofrimento surge quando passamos a observar as particularidades, quando passamos a olhar para cada pedacinho daquele que aparentemente nasce, se desenvolve, passa por declínio e morre. Ora, nós só olhamos para as “ondas individuais”, e cada onda individual desta vai quebrar, mais cedo ou mais tarde. Eu estou falando para uma platéia de condenados a morte, não estou? (risos). Todos têm uma corda amarrada no pescoço, estamos caindo de um precipício, ninguém sabe o comprimento da corda, a qualquer momento “pá!”, não é? É assim para mim também. Isso é trágico? Não! Isso é como o mar e como a floresta. Nós somos esse imenso conjunto, mas nos pensamos como indivíduos. E assim como loucos pensariam que cada folha é um indivíduo e que é trágica a sua morte, assim também são loucos os homens que olham para a humanidade e lamentam suas mortes. Nós devemos festejar a maravilhosa vida que pulsa a todo instante. Isto sim, isto é ver a humanidade.