Pegunta: Monge, na verdade é mais a título de curiosidade. Quando nós alcançamos pedaços da iluminação, nos tornamos iluminados, os pensamentos lúdicos certamente devem diminuir ou desaparecer, quando a gente dorme nós sonhamos e muitas vezes nós misturamos parte da nossa realidade ou ilusões. Como é para uma pessoa iluminada?
Monge Genshô: há alguns contos a este respeito. Um diz que um grande Mestre sonhou que estava sem cabeça, e a partir desse sonho, ele nunca mais sonhou. É quase um koan. Sonhar que está sem cabeça é perder sua mente discriminativa. Você vê que o seu pensamento é discriminativo, classificatório, sempre julgador e, quando você o abandona, então a ilusão desaparece.
Agora, pensar é uma faculdade humana, nós usamos constantemente como ferramenta. O problema é que você a usa sem lucidez, você não enxerga. Demonstrei aqui várias vezes nessa palestra que as crenças normais das pessoas sobre certo, errado, todas as crenças dualistas são crenças falsas e normalmente nós usamos nossos pensamentos assim. Se você abandonar esses pensamentos, outra forma de pensar surgirá, então é outra maneira de pensar, por isso a perspectiva da iluminação parece às pessoas normais uma loucura. Pensam: “esse cara não bate bem!”.
Eu era executivo e meu último cargo como diretor de empresa foi numa empresa com seis mil funcionários. Em um belo dia, saiu um artigo numa revista, dizendo assim: “o executivo que virou Monge” e botaram uma fotografia minha. Qual foi a conclusão dos meus colegas, que me viam sempre de gravata, ganhando dinheiro, negociando, admitindo e demitindo pessoas? “Ele enlouqueceu, pirou”. O meu superior disse: “o que aconteceu com esse biruta?”. Foi isso que ele disse.
Então, se você muda sua maneira de pensar, as outras pessoas pensam que não está certo, que houve alguma coisa de errado. No entanto, para você que está olhando estas pessoas, elas que parecem loucas. Essa sensação foi muito nítida para mim depois que eu fui passar três meses num mosteiro na Califórnia. O mosteiro ficava nas montanhas, a dois quilômetros de altura e era muito frio, nevou todo tempo, fez 15 graus abaixo de zero, mas não fazíamos outra coisa do que levantar às quatro horas da manhã e remover neve dos caminhos, comer comida vegana todos os dias e fazer meditação. Depois de três meses vivendo esse tipo de vida, eu saí daquele lugar e fui direto ao aeroporto de Los Angeles para pegar um avião. Naquele aeroporto, parecia-me que todo mundo era louco; aos meus olhos, toda aquela gente estava louca. É claro que se eles olhassem para mim e soubessem que estávamos fazendo kinhin na neve com chinelo e a cabeça descoberta, claro que pensariam que eu era o louco. Mas para mim, da minha ótica, eles correndo de um lado para o outro, comendo x-burguer, agoniados com as escadas rolantes e com a conferência das coisas que tinham, tirando os sapatos para colocar nas esteiras para serem examinados, porque alguém tinha colocado uma bomba no sapato na Inglaterra, aos meus olhos eles é que estavam loucos. Então, o que nós pensamos depende muito de que como alimentamos nosso cérebro, do que fazemos com a nossa cabeça. O que parece lucidez para uma pessoa pode não ser para outra.
Mas acho que as pessoas desconfiam que tem alguma coisa num Monge, que está vivendo como um louco, que raspa a cabeça para remover os fios da ignorância que crescem sem parar, que faz por onde ficar feio, que não usa perfume, que não usa joias, etc., acho que as pessoas desconfiam que tem alguma coisa, porque a lucidez dele é outra.
O Joaquim estava me falando de enormes estátuas de Buda e vou narrar um tipo de lucidez que é do Dalai Lama. Em Bamiyan havia muitas estátuas de Buda de 50 metros de altura feitas de pedra, e os terroristas as explodiram, porque contrariavam o corão que diz que não se poderia ter imagens representando seres. Então, as estátuas de Bamiyan foram dinamitadas. Mas vocês não ouviram falar de passeatas budistas no mundo reclamando dos terroristas, não ouviram falar que apedrejaram as embaixadas do Afeganistão por causa disso. Não aconteceu uma represália budista explodindo islâmicos, atentados budistas contra o Islã, nem nada assim. Ninguém ouviu falar disso. Então um repórter perguntou para o Dalai Lama: “o que o senhor acha da explosão dos Budas de Bamiyan? Estátuas de mil e quinhentos anos, patrimônio cultural da humanidade, o que o senhor acha disso?”, e ele respondeu: “eram pedras, não eram?” (risos). Isso é lucidez, e a lucidez proporciona paz.