Um rosto que mudou - o sexto passo

Um rosto que mudou - o sexto passo

O primeiro e segundo passo, praticamente todos os que praticam já trilharam, é mais fácil de entendê-los. O primeiro é uma inquietação, depois, encontrar as pegadas, e o terceiro, é “vislumbrei, eu vi alguma coisa, eu tive alguma pequena experiência”. Não pensem que é grande coisa essa pequena experiência. Embora ela seja magnífica, é pequena perante os passos seguintes que nós vamos ver.
(continuação)
No sexto passo, que é “Cavalgando o boi de volta pra casa”, a figura mostra um homem sentado sobre o boi sem rédeas e tocando uma flauta. O boi agora é manso e obediente, e mesmo sem as rédeas, ele segue tranqüilo, cavalgando para casa na quietude de um entardecer, tendo o homem montado em si. Vamos descrever o processo de entrada em samadhi: a pele e os músculos estão sempre mudando de tensão e, em grande medida, por meio dessa mudança, se mantém a sensação da existência corporal. Porém na postura imóvel do zazen, não há apenas mudança da tensão muscular e cutânea. Vai-se também desenvolvendo a sensação de saída. A pele reage muito sensivelmente ante essa nova experiência, nota-se como uma sensação de tremor que corre através do corpo, é como uma espécie de vibração musical, delicada e deliciosa, que vem acompanhada de um estado mental apaziguado e de uma formosa corrente de emoção que parece brotar do coração. A sensação de saída vem muitas vezes anunciada por uma espécie de tremor vibrante que aparece primeiro nas partes mais sensíveis do corpo como orelhas, pescoço, braços e que, finalmente, desce ao longo de todo o corpo para desaparecer em poucos minutos. A paz e a quietude começam então a ocupar o corpo inteiro. O samadhi desenvolve-se a partir dessa quietude, mas com larga prática, já não aparece aquela deliciosa sensação corporal. A pessoa senta-se simplesmente e cai em samadhi. Quem tiver dificuldades com os pensamentos, pode sempre retornar para a técnica do iniciante que é contar a respiração. Com essa âncora é mais fácil de escapar de pensamentos invasivos freqüentes. Um samadhi brilhante pode surgir rapidamente com a contagem das respirações.

Outra técnica é a respiração em bambu, há uma tentativa de pensamento, um impulso que vem trazendo um pensamento, isso tem um nome técnico, chama-se NEN. Quando surge o NEN, o impulso desencadeador do pensamento, e que você percebe ele nascendo, você para de respirar, isso cria uma tensão que corta o pensamento e você pode voltar a respirar.O que ocorre, na realidade, dentro do corpo quando se produz um samadhi precedido desses fenômenos? Devem estar ocorrendo certas mudanças químicas, sabemos que o corpo produz constantemente toda classe de compostos químicos. Se acaso o samadhi resulta da produção de certos elementos químicos do corpo, isso não quer dizer que nós podemos, através de químicas, produzir o samadhi, por isso o uso de drogas é inútil. Embora eventualmente uma droga possa provocar uma sensação semelhante ao samadhi, é pelo seu efeito alucinógeno que isso ocorre. Ela entra no seu corpo, produz a sensação, mas você não é dono da sensação. A sensação é boa e a pessoa quer voltar a senti-la, por isso volta a usar a droga, pois com a droga é muito fácil de consegui-la. Só que o uso de drogas causa múltiplos problemas e não leva a uma realização espiritual, leva simplesmente a uma fantasia química.

 Mas não se pode objetar que o treinamento do zazen modifica de algum modo o metabolismo, de maneira que produza certos químicos que facilitam a chegada do samadhi. Tais substâncias são geradas internamente; é uma fonte de energia. Já as drogas ministradas externamente, nos debilitam e nos fazem dependentes. Quaisquer que sejam as bases fisiológicas do samadhi nessa fase de “Cavalgando o boi de volta para casa”, o estudante alcançou a maturidade e goza de liberdade de corpo e mente. A grande mudança é que agora ele não precisa mais fazer tanta força, quando ele senta o samadhi se instala com certa rapidez e a prática começa a se transportar para a vida. Um fenômeno interessante é que a expressão facial muda, a pessoa é a mesma, porém sua expressão mudou. E isso é identificável, é visível. Também nesse estágio os comportamentos, que antes permaneciam inalteráveis, agora se tornam perceptíveis a outras pessoas. Não é mais o mesmo comportamento. Em meio às turbulências, a pessoa permanece impassível, anormalmente calma e tranqüila. Isso ainda não acontece sempre, mas já na maioria das vezes.