Tudo é tempo | Monge Genshô

Tudo é tempo | Monge Genshô

Uma pergunta muito recorrente é: quanto tempo há entre uma manifestação kármica e outra? Aquilo que muitos textos chamam de renascimento. E outros traduzem erradamente como reencarnação, uma palavra que faz crer que existe uma identidade que ganha uma carne nova. Na verdade, é a onda kármica que se propaga e provoca o surgimento de uma nova identidade, somos muito semelhantes à nossa manifestação kármica anterior e, por isso, a ilusão de que uma identidade permanece é tão recorrente.

A cada vez em que nos manifestamos construímos uma identidade a partir de nossos impulsos, de nossas características e marcas kármicas e somos e não somos a mesma pessoa. O fato de estarmos em contínua mudança é nossa grande oportunidade, pois podemos mudar nossas tendências, podemos mudar muitas características e sermos pessoas completamente novas, não só de uma vida para a outra, mas também nesta própria vida.

Assim, surge a pergunta: quanto tempo entre uma morte e uma nova manifestação. A resposta é: o tempo é tão imensamente relativo que a pergunta não pode ser respondida de forma fácil, assim, algumas escolas dizem de imediato, outras dizem 49 dias, outras dizem muito tempo, mas na verdade, como o tempo é na prática uma ilusão teimosamente persistente, sua durabilidade depende em demasiado das maneiras de medir e da nossa própria consciência. Então, aquele que desmaia e acorda três horas depois sente que não passou tempo algum. Todos que já tiveram a experiência de terem sido anestesiados, ou mesmo aqueles que já passaram algum tempo em coma não têm a menor noção do tempo discorrido. Esse tempo decorrido é completamente dependente da consciência. Assim, a tradição budista fala que as vidas dos devas são longuíssimas, mas nós sabemos que as vidas das borboletas são brevíssimas.

Nossa noção do tempo não se aplica a estados diferentes de consciência, assim a própria pergunta não tem sentido porque ela presume um tempo estável, contínuo, sempre igual. Sabemos hoje que dependendo da velocidade que nos deslocamos o tempo se contrai ou se dilata. Em determinadas situações teoricamente pode ocorrer de um homem viver um século em um dia. A ficção é bem farta em usar esse tipo de situação como ocorre em um filme como Interestelar. Portanto não coloquemos essa pergunta para nós, porque nossa noção de tempo depois da nossa partida é tão elástica que a pergunta perde o sentido.

Dōgen Zenji, nosso grande mestre do século XIII explicou: “tudo é tempo”. Esse tempo agora, de nossa vida, é muito precioso. E por causa disso aproveitem esta vida.

Teishô Matinal proferido por Meihô Genshô Sensei, Junho-julho/2021.