Venerável Dhammadipa continua: A abordagem do Abhidharma no contexto Mahayana é diferente. De acordo com o ensinamento Mahayana, há apenas uma realidade última, não podendo haver realidades alternativas, sendo que a realidade última é o vazio. Todos os fenômenos, sejam eles mundanos ou supramundanos, têm a mesma característica do vazio. De acordo com o Mahayana, o foco não está em uma dedução analítica do fenômeno experienciado e sim em uma experiência direta do vazio, isso não significa que a abordagem analítica não seja importante. É muito importante e é um complemento da experiência direta do vazio.
Eventualmente o Vipassana do Budismo do norte, que se identifica com o Mahayana, foi associado ao conhecimento direto da realidade. As coisas como elas realmente são e o vazio, são ao mesmo tempo impermanentes e além da impermanência. Há uma realidade última a ser experienciada, que é considerado o Vipassana mais elevado e está além do mundano e supramundano, é a verdade atravessando a dualidade. Entender essa realidade é a natureza do Vipassana e é a base do Samatha. No contexto do Zen, Samatha pode ser entendido como a observação direta do que é impermanente, uma vez que está relacionado, portanto, com tudo que está mudando e não é diferente dessa realidade impermanente.
O Bodhisatva é aquele que, com base na observação, desenvolve compaixão e com base na visão além da impermanência e do vazio, desenvolve sabedoria. A compaixão e a sabedoria são como as duas asas de um pássaro. Contemplando a impermanência, uma pessoa é capaz de compreender e penetrar na natureza da compaixão e desenvolver a mente de Bodhichita. Bodhichita é a forma de entender que não há nenhuma liberação individual, a natureza da realidade é não dualística. A busca da observação direta daquilo que realmente é e do vazio, são os meios hábeis do Bodhisatva para permanecer no ciclo do Samsara com o mínimo de sofrimento. Desenvolvendo o Vipassana, o Bodhisatva se compromete a permanecer no Samsara e através do Samatha ele desenvolve a sabedoria para continuar no Samsara sem sofrimento. É dessa forma que os dois se complementam para formar uma única realidade no Zen.
Quanto você pratica o Zen, combina Samatha e Vipassana. O objetivo do Zen é observar as coisas como elas são. Quando você compreender e realizar essa realidade, estará no caminho do Bodhisatva e não poderá voltar atrás. Os quatro tipos de Samadhi que mencionei anteriormente são os “Samadhi de Buda”. Esse é o objetivo do Zen. A mente se torna uma com o Dharmakaya, a manifestação de todos os fenômenos. O corpo do Dharma. No limite da realidade, todas essas denominações são similares e o Buda está sempre vivendo nessa realidade, ele se tornou um com a realidade verdadeira. Na tradição Theravada, Buda e o Dharma são sinônimos. No Mahayana é enfatizado que o verdadeiro Buda é o Dharmakaya e ele contém tudo sem distinção entre forma e não forma. No Sutra do Coração existe uma parte que diz “forma é vazio e vazio é forma”, isso conduz a compreensão da realidade última. Essa realidade é enfatizada no Zen diferentemente de outras tradições como no próprio Yogacara. Nessa realidade última, tudo é incomensurável. Forma é incomensurável. Sentimento é incomensurável. Percepções são incomensuráveis. Formações mentais são incomensuráveis. A própria consciência se torna incomensurável. Esse é o conteúdo da libertação.