Ocasionalmente os praticantes budistas tentam entender o vazio e quando o fazem, podem cair na armadilha de reificá-lo, dar-lhe uma realidade independente.
Ora, o vazio não é uma entidade, o vazio é todas as formas e todas as formas são o vazio, nada mais do que isso. Vazio quer dizer: vazio de um “eu”.
Todos os seres, todos os fenômenos no universo, inclusive nós, somos vazios de um “eu” inerente, algo sólido, permanente, algo que sobrevive às manifestações, que tenha individualidade.
O vazio é vazio de tudo, de todas as características, não pode ser descrito, senão através de negativas, é incondicionado, é um conceito para nos ajudar a entender todo o universo, não é uma divindade, não é um deus, alguém que decide ou interfere. Em uma descrição tipicamente zen, o vazio é tão grande que não precisa existir, assim nós não vemos o vazio, nem nos identificamos com ele, nós apenas compreendemos que somos a própria vacuidade, e todos os fenômenos e todos os seres do universo inteiro são assim vazios de uma identidade própria e separada.
Se formos capazes de compreender isso instantaneamente dissolvem-se à nossa frente coisas como nascimento e morte, pois elas são apenas manifestações dos fenômenos, surgem e desaparecem como bolhas de sabão, como borbulhas na água, como uma nuvem que hora está aqui e hora não está. Pertencemos a esse grande universo e ele em si também passa por transformações, surge e desaparece também, em longuíssimos ciclos e quando nos manifestamos como seres, como fenômenos, nos manifestamos como frutos do karma, como irregularidades, como as próprias bolhas que surgem e desaparecem, mas nada em essência deixou de existir, então apesar de surgirmos e desaparecermos, sempre somos e sempre existimos na vacuidade.
Como somos a própria vacuidade não estamos sujeitos a nascimentos e mortes, simplesmente somos, estamos aqui. Então quando contemplarmos o fato de todas as coisas serem vazias de um “eu”, não nos confundamos dando a este vazio uma identidade separada de todas as coisas, ele sempre está aqui, nós somos sempre vazios de um “eu” inerente. nosso “eu” pessoal neste momento é construído pela operação de nossa mente desta existência e naturalmente ele é evanescente, temporário, mas nossa identidade com a vacuidade não, nós e a vacuidade somos uma única coisa e nesse sentido o engano são os fenômenos, o surgir e o desaparecer, as bolhas, não nossa natureza última, e essa nossa verdadeira natureza é o que precisamos enxergar.
Se enxergarmos nossa natureza última subitamente compreenderemos que todos os surgimentos e desaparecimentos são de certa maneira irrelevantes e que pertencemos juntos com todos os outros seres a esse “Grande Ser” que não pode ser nomeado, nem identificado, nem dito, nem qualificado sem que o diminuamos, portanto não podemos chamá-lo de “Grande Ser”, mas sim de vazio.
Teishô Matinal proferido por Meihô Genshô Sensei, maio de 2021.