Pergunta – Na leitura que o senhor fez se fala da vida presente, vida futura e na vindoura. Isso trata das consequências do carma, mas eu estava pensando na questão egóica do “não-eu” e do “eu”, como dissolver isso ?
Monge Genshô – Não. Não precisa dissolver o carma para isso, precisa chegar ao ponto de compreender completamente “Anatta”, ausência de um “eu”, embora a ausência de “eu” seja a primeira condição do Caminho Óctuplo, que é a compreensão correta dos princípios do Dharma.
Havendo compreensão correta cumprimos o primeiro passo, mas não é necessário realizá-lo dentro de nós para lidar com um princípio tão simples que é o do carma, que diz que para toda ação há uma consequência. Às vezes as pessoas perguntam o que se deve ensinar aos filhos e minha resposta é que a primeira coisa é sobre o carma, pise no rabo do cachorro e ele lhe morderá. Sempre haverá retribuição dos atos.
Pergunta – Com relação a esta questão da semente. Se eu tenho esse sentimento ruim, mas se me arrependo verdadeiramente, o carma se extingue?
Monge Genshô – Se você apagar verdadeiramente ele vai perdendo a força dentro de você, por isso dizemos que zazen corta carma. Você senta, surge um sentimento negativo e você o descarta, surge outro e igualmente você o descarta, você então vai vendo o que surge dentro de você e vai se livrando disso. Se você se livrar completamente, sua mente muda e as coisas para você também mudarão. Se você produz bom carma e elimina carma ruim as pessoas o procuram para lhe ajudar, parece que você é uma pessoa de muita sorte. Na verdade sorte e azar não existem, o que existe é carma. Embora existam situações aleatórias na vida, em longo prazo não é assim, é você que constrói sua vida. Ao longo de um milhão de vidas tudo ocorre de acordo com o que você planta. Numa vida pode acontecer uma causalidade ruim, mas ao longo de muitas vidas não é assim e normalmente ao longo de nossas vidas produzimos as condições para os acontecimentos.
Existe um livro que se chama “O Fator Sorte” de Max Gunther, onde o autor estudou pessoas conhecidas como azaradas e pessoas conhecidas por terem sorte. A primeira coisa que caracteriza uma pessoa de sorte é que ela faz amigos, cumprimenta pessoas desconhecidas e se mantém em contato com amigos. Elas sempre serão lembradas quando surgirem as oportunidades. Em contrapartida, a pessoa tipicamente azarada é aquela que fica em casa e reclama que nunca recebeu uma chance. Nós temos na história da arte pessoas que souberam se promover muito bem, por exemplo, Picasso e Salvador Dali. Outros que fizeram obras maravilhosas, mas ficaram escondidos, como é o caso de Vincent Van Gogh. Hoje suas obras têm grande valor, muito diferente de quando ele era vivo.
Outra característica das pessoas de sorte é que são previdentes, ou seja, olham para os dois lados antes de atravessar a rua. A sorte e o azar então, segundo o autor, é uma questão de comportamento e modo de agir. Isso são coisas bem lógicas e concretas, mas mostram como funciona o carma, ele não é mágico, no Budismo não existe nada de sobrenatural, tudo tem causa e consequência.
Pergunta – Levando a lei do carma em consideração posso supor que somos responsáveis por todos os problemas e sofrimentos da nossa vida?
Monge Genshô – Sim, mas não exclusivamente nessa vida. Você tem marcas que vêm do passado que fazem com que sua vida se manifeste de determinada forma, porém você tem o poder de alterar o seu carma, para o bem e para o mal. Todos podemos construir vidas melhores cuidando do seu carma. Não adianta reclamar do que acontece conosco, temos que aceitar e ir em frente e procurar transformar uma coisa ruim em boa. Tenho um bom exemplo, minha filha está no hospital com o filho com leucemia. Em vez de ela lamentar sua situação e de seu filho, está pensando em como melhorar a situação do Instituto Nacional do Câncer e em fazer campanha para aumentar o número de doadores de medula. Você pode encontrar nos dramas da vida saídas para transformar aquele sofrimento num benefício para muitas pessoas. Os resultados que ela obterá ninguém poderá avaliar agora, mas podem ser maravilhosos. Você não sabe a consequência de um ato.
Uma vez eu estava no saguão de um hotel e se aproximou um homem e disse: “O senhor não me conhece, mas gostaria de lhe dizer que o senhor está mudando a vida da minha família, da minha empresa e a minha cidade.” Nessa época eu trabalhava como consultor de empresas jornalísticas e ele contou que um ano antes havia assistido a uma palestra onde eu falava sobre a possibilidade de um jornal criar uma campanha de competição entre as ruas de uma cidade para ver qual era mais bonita, mais arborizada, com maior numero de jardins. O jornal ganharia dinheiro vendendo os anúncios das empresas de jardinagens. Após ouvir a palestra ele voltou para sua cidade e entrou em contato com as agropecuárias e criou um concurso com auxilio da prefeitura e secretaria de turismo para premiar as ruas e casas mais bonitas. Em razão disso a cidadezinha havia mudado de aparência. Então, em uma palestra eu dei um exemplo de como fazer uma campanha para que um jornal vendesse mais anúncios, esse senhor acreditou e mudou a cara de uma cidade. O que interessa para nós nessa história é que quando dizemos algo e jogamos uma semente não podemos saber o tamanho do resultado. Somos imensamente poderosos em relação ao que podemos realizar plantando idéias e dizendo coisas para as pessoas.