Embora eu tenha dito que não houveram guerras, houveram embates muito sérios. No nosso mundo moderno, nós vimos o que aconteceu com o Tibete: o Tibete foi invadido pela China e o Dalai Lama foi entendido como um líder não só espiritual, mas ele era o Chefe de Estado do Tibete, e portanto, para os chineses, um inimigo. Atentados e tentativas de morte já ocorreram e mesmo um secretário do Dalai Lama foi assassinado. A proximidade com o poder é extremamente perigosa e, por isso, nosso mestre Dōgen, mestre fundador da nossa escola, nos recomenda que não nos aproximemos dos poderosos, porque a proximidade do poder é extremamente corruptora. Como disse o filósofo Ortega y Gasset, “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Muito sabiamente, o Dalai Lama atual, mestre da escola tibetana Gelug, disse que ele é o último Dalai Lama e mais: renunciou ao seu poder político para que não mais se confundisse a prática espiritual e a Escola com o poder político. Que o poder político deveria ser dos próprios políticos e não mais misturado com o mestrado espiritual. Desta forma, a teocracia tibetana deixou de existir dada a sabedoria deste Décimo Quarto Dalai Lama. Não podemos esquecer que houve quatorze Dalai Lamas até hoje, onde cinco foram assassinados. O que mostra o extremo risco de misturar o caminho espiritual com o caminho político.
Bem, essa é uma das razões pelas quais eu tento afastar a nossa organização Daissen de disputas político-partidárias. Embora nós estejamos aqui e firmemente dispostos a falar dos preceitos, ou seja, nem roubar, nem ser corrupto, nem roubar o dinheiro do povo, nem nos associarmos com qualquer ideia de uso da violência, ou tirania, ou de censura das liberdades. Seja princípios que não vamos defender, nós jamais devemos nos misturar com propostas político-partidárias, porque isso divide a Comunidade e enfraquece o ensinamento espiritual. Fugir do poder é, na realidade, o caminho para aqueles que pretendem seguir um caminho espiritual. Terminando a história do debate, “os que têm lido meu tratado que estabelece o ‘verdadeiro e falso’ a respeito da Escola do Sul de Bodhidharma, se equivocam quando dizem que há uma crítica”.
“Puji – declaro estar em desacordo com a Escola do Sul! Examinei o verdadeiro e o falso, e restabeleci os princípios. Não faço mais que difundir Mahayana. Dou a conhecer e explico a Verdadeira Lei à todos os seres. Como ia preocupar-me com a minha própria existência?”
E ele está respondendo ao argumento de Chunyuan, se ele não estava arriscando a vida ao contrariar o ensinamento daquele que tinha o favor da corte imperial.
“Eu não faço mais que difundir o verdadeiro Mahayana. Dou a conhecer, explico a Verdadeira Lei a todos os seres. Como ia preocupar-me com a minha existência?”
E o outro respondeu:
“Ao compor esse tratado não levaste em consideração a glória e o benefício?”
E Shen Hui, ganhando o debate, responde:
“Senão me preocupa minha própria existência, como ia preocupar-me com glória e benefício?”
Segundo o Shen Hui, Hui Neng teria profetizado “em pouco mais de vinte anos depois de minha morte, virá alguém que, sem temer por sua vida, fixará o verdadeiro e o falso, e estabelecerá os princípios da Verdadeira Lei”.
E assim encerra nossa aula de hoje sobre esse momento tão importante no início da história do Zen na China. Vejam que nós estamos falando de acontecimentos que aconteceram aproximadamente cem anos depois da chegada de Bodhidharma à China. E recém, o Chan estava se estabelecendo, mas já havia atingido esse grande predomínio e, infelizmente, houve esses debates ocasionados pela proximidade com o poder.
Teishō proferido por Meihō Genshō Sensei, no Daissen Virtual, em março de 2022.