Pergunta – Estou fazendo um curso de filosofia e frequentemente aparece o termo “mal radical” e segundo Kant se esse mal existisse seria algo sobre humano, quase diabólico. Existe esse conceito no budismo?
Monge Genshô – Nietzsche dizia que “se um deus controla o demônio, ou o mal, esse deus é cúmplice”, por outro lado completa, “Se não controla, não é onipotente”. Sempre houve na historia essa tentativa de dividir o mundo em um deus do mal e um deus do bem. Analisando bem é uma tentativa de fazer com que deus não seja responsável pelo mal, pois quando você admite a existência de alguém que é responsável pelo mal, automaticamente absolve deus de ter criado o mal. Estas são dificuldades filosóficas praticamente intransponíveis. Sob o ponto de vista budista isso é dualidade. Bem ou mal, ruim ou bom são conceitos aceitos pelo budismo somente no mundo relativo, não no absoluto. Para o budismo temos dentro de nós o potencial para realizar ambas as coisas. O fato de nos horrorizarmos com as coisas já demonstra que compreendemos o mal.
Na tentativa de dividir o mundo em claro e escuro percebemos que ele é na realidade um pouco cinza, por exemplo, não conheço uma pessoa integralmente boa ou totalmente má. Tudo é um tanto confuso e misturado e somos participantes de ambas as coisas. Muitas vezes não vemos o mal, simplesmente não o enxergamos. Sempre recebo e-mails das pessoas e um dia destes me escreveu um rapaz e deu para perceber claramente que o que ele deseja são preceitos, algo para ele se agarrar, do tipo, “Isso pode, aquilo não”, “faça isso, mas não aquilo outro”. Ele deseja regras claras. Como monge budista não posso dizer para uma pessoa que isso ou aquilo é certo ou errado de forma absoluta. Isso não existe no Zen Budismo. Os preceitos que seguimos são faróis guias para evitarmos o sofrimento e não declarações absolutamente precisas. Imaginem alguém que cumpre os preceitos a risca. Um dos mais básicos diz para não enganar. Um criminoso entra aqui na sala agora procurando pelo Marcos, antes de ele entrar o Marcos saiu e se escondeu no banheiro. O assassino chega e pergunta pelo Marcos, o que devemos fazer? Indicar que está escondido no banheiro? Essa seria a resposta correta? Ou seria melhor mentir dizendo que ele já saiu faz mais de tantas horas? Nessa situação o correto é mentir para evitar o sofrimento.
Existe um relativismo moral, por exemplo, uma vez estive na Bolívia com um grupo consultores e me convidaram para jantar e me levaram para comer um prato típico. Era uma espécie de marreco ou pato, como sou vegetariano, e eles sabiam disso, não comi. Então um dele me disse, “mas já está morto, pode comer”. Minha resposta foi que esse argumento serve também para comer criancinhas. Você mata, esquarteja, assa e serve, por que não vai comer, se já está morto? O relativismo moral sempre tem isso, sempre existe uma situação pior, mas um erro não justifica o outro. O meu argumento é de que não preciso comer, minha vida não depende disso, pior, se eu pago e como, estarei incentivando ou financiando essa indústria, foi um caminho que escolhi, (antes que alguém pergunte não é uma regra budista). O que faço não é muita coisa, mas é o que posso fazer. Temos que admitir que nossos atos tem repercussões e não são facilmente distinguíveis em certo e errado. Não consigo fazer o melhor de tudo, mas faço um pouco do bom e do que me é possível, não faço perfeito, mas faço algo.