Ivo Santos Cardoso
Mais um poema de meu mais antigo amigo, sempre lhe digo que ele é um criptobudista:
Reencontro
Ivo Santos Cardoso
Encontrei-me de novo.
Perdido andava de mim.
Desvios, barreiras, vertigens,
beira de despenhadeiro.
Cambaleando sem aprumo,
o abismo, voz de sereia
dos desesperados,
crescia sem solução.
E andei sem rumo.
Agora achei-me de novo.
Olho minhas pernas e braços,
admiro-me de me servirem ainda
eram vassalos de outro senhor,
obedeciam a apelos de outro dono.
Não eu. Que eu não existia quase.
Agora, encontrei-me de novo.
Admiro-me das roupas em farrapos,
cabelos, barba, em desalinho.
Meu retrato, meu espelho da alma
também rota e dividida.
Agora achei-me de novo.
Encontrei-me.
Desenterro o corpo de meus andrajos.
Vejo-me liberto de minha prisão.
Saio. Choro. Queixo-me.
Fui carcereiro de mim mesmo.
Impiedoso.
Algemas nos pulsos,
grilhões nos pés;
canto sufocado na garganta.
Passado teimoso roubou minha roupa de festa,
cobriu-me de andrajos
e mentiu: “É a única que te serve!”
Encontrei-me de novo.
Rasgo e queimo a mentira.
Vou em busca de minha roupa de festa.
(Ah, que saudade… Há tanto tempo em vã espera!)
Seu cheiro de novidade me incendeia. E vou vesti-la já.
Que há música na rua.
Há gente.
Há perfume no ar. Há risos.
E essa festa é minha. E eu não sabia.
Com licença.
Vou à festa.