(continuação)
Mas nós adultos também nos perdemos, não vemos a vida com clareza porque não percebemos que a morte ilumina a vida. Se nós colocássemos as coisas numa perspectiva de que “vou morrer em uma semana”, o que é relevante agora? O que eu realmente faria, o que seria importante? Aí as coisas ganhariam uma perspectiva diferente. Percebemos que pessoas que passam por experiências mais radicais de vida, como o anuncio de uma doença grave, podem passar a ver a vida com mais clareza depois, porque ela se esvazia das coisas minúsculas, das coisas que não tinham importância.
Quando as pessoas estão no leito de morte, perdoam todo mundo. É frequente estar lá e não ter mais importância a briga que eu tive com meu irmão por causa de um terreno ou de uma herança, aquilo não tem mais importância, porque o que eu quero, morrendo, é me reconciliar com meu irmão. É comum ouvir um médico dizer que ele vê no leito de morte as pessoas se importarem com isso, com as reconciliações e não mais com as coisas, porque eles não levarão as coisas. É claro que haverão aqueles que estão morrendo e pensarão que vão levar e ficam desesperados em como fazer para levar as suas coisas.
Li um conto uma vez de um homem que era muito rico e pediu para ser jogado no mar, então ele mesmo preparou seu caixão. Ninguém sabia o que ele havia feito da sua fortuna. E no conto eles decifram o que ele fez. Pegou todo seu dinheiro e comprou platina, que é mais caro que ouro, e fez seu caixão de platina. Sem que ninguém soubesse do que era feito o caixão, ele foi jogado ao mar com todo seu dinheiro. Isso pode acontecer. Mas isso conduz a um renascimento com o mesmo tipo de angústia, mas sem a platina. Vai ter que acumular e procurar de novo e pode repetir isso mil vidas sem nunca se libertar. Então, o que é o acordar? O que é a iluminação? A iluminação é o despertar de um sonho. Nós estamos mergulhados em um sonho, o sonho de nossa identidade. Eu acho que sou “eu”, estou me importando com as coisas de “eu” aqui e agora. Não estou enxergando a unidade de todas as coisas, a interconexão, o fato de que todas as coisas e eu somos um. Como não enxergo isso, então estou sonhando e esse sonho do “eu” que tanto amamos, da nossa identidade pessoal, é nossa perdição. Por isso que quando Buda se ilumina ele diz para o vulto dele mesmo “tu não me enganas mais”! Porque quem nos engana somos nós mesmos.