Quem é este que está assim?

Quem é este que está assim?

Pergunta – Nos textos do site, em vários deles há uma questão que o senhor coloca, por exemplo, se eu tenho alguma manifestação psicológica de raiva, de medo, o senhor aconselha a gente a fazer a pergunta: “Quem é este que está com raiva?” O senhor poderia esclarecer, porque pra mim é confusa essa questão. A minha dúvida na verdade é “quem é esse que está com raiva”?
Monge Genshô – Pois é. Quem é este que está com raiva? Se eu pensar “quem sou eu”, eu vou ver que meu “eu” é uma construção, eu construí o meu “eu”.
Para entender melhor, imagine que vocês perderam toda a memória e estão deitados numa cama de hospital, depois de um acidente, e não sabem mais quem são as pessoas, sua família, coisa nenhuma. Aí alguém chega e diz: “Você é fulano. Lembra disso? Lembra daquilo?” Não, não lembra nada. Aí mostramos fotografia, etc, e tentamos reconstruir uma memória, para a pessoa ter uma noção de quem ela é, porque essa noção toda, é uma construção que você fez. É você que acreditou durante a sua vida que você é seu nome, sua personalidade, isso e aquilo. Mas quando você fica com raiva, como é que é? Alguém vem e insulta você. Quem fica com raiva? Minha construção. Ela é que está abalada em seus fundamentos.
Eu sempre me vi como honesto, alguém vem e me chama de desonesto, fico bravo, porque ele está abalando os fundamentos do meu “eu”, e meu eu é precioso pra mim. Eu preciso dele para transitar no mundo. Eu não estou dizendo que está errado você ficar irritado, está muito certo na verdade, porque você precisa desse eu honesto para funcionar no mundo. Se todo mundo começar a dizer que você é desonesto, seu “eu” de funcionamento no mundo está muito abalado, ou deveria.
Então, a identidade que você assumiu, é a identidade que pode ser abalada, quem é que você defende? A construção. Então, recomendo você a perguntar: “quem é que se ofende”? É como alguém que diz assim: “Ah, corintiano é isso”. E você é corintiano. Você fica ofendido porque? Quem fica ofendido? O corintiano dentro de você, porque você assumiu que é corintiano. Se você não tivesse assumido essa identidade, não haveria essa ofensa. Então a pergunta “quem é que se ofende, quem é que tem raiva, quem é que tem ódio”, ela tem muito sentido não tem? Porque quem se ofende é uma construção mental, essa construção mental foi você quem fez, esse “quem” é construído, não é real.
Por isso quando alguém se ilumina fica difícil ofender. Fica difícil até matar, como o Mestre Zen que estava sentado, a cidade foi invadida e veio um general com a espada suja de sangue e o Mestre Zen nem se abalou, continuou lá no templo sentado meditando. O general entrou na sala e disse: “você não vê que eu posso matá-lo em um instante”?  E o Mestre disse: “E você não vê que eu posso morrer em um instante”? Eu posso morrer. Não estou agarrado à vida, não tem problema, então me matar ou não me matar não faz diferença. Então se você quer o medo, não vai vê-lo.
Porque a identidade e o amor à vida, àquele evento daquele instante é irrelevante. Eu posso morrer aqui nesse instante, vai acontecer a qualquer momento.
(perguntas em palestra pública em Goiânia, decupadas da gravação por Rachel San)