Também aconteceu uma vez de um primo de Buda pensar que ele era melhor que Buda, mais certo que Buda. Como ele tinha uma opinião melhor, ele pensava que a Sangha não estava bem gerida, que os monges eram relaxados, queria regras mais duras para os monges, por exemplo, os monges comiam pela manhã e ao meio dia e ele dizia – Para quê? Basta comer uma vez só! – E este homem, chamado Devadhata, de tanto criticar, de tanto acusar Buda de excessivamente tolerante, criou um problema e seiscentos monges concordaram com ele, as regras deveriam sim, ser mais duras e que Devadhata deveria ser o líder. Então deixaram Buda e foram com Devadhata. Depois de algum tempo, após tudo dar errado, Devadhata ficou como símbolo do discípulo que pensa ser maior que o mestre e quer que a coisa seja feita de forma melhor, mais rígidamente. A lenda diz que a terra se abre e o engole. É muito provável que ele tenha sumido, desistido. E Shariputra, aquele personagem do Sutra do Coração, é que foi até o local onde estavam os monges e mostrou à eles que estavam errados.
O ensinamento de Buda é o “Caminho do Meio”, da moderação e não o caminho do radicalismo. Mas dentro disso, na essência, o que havia em Devadhata era a inveja. O que ele queria na realidade era derrubar o líder.
No caso dos evangelhos Cristãos, Judas queria que Cristo assumisse seu papel de líder de uma revolta contra os romanos. Que era o que as antigas profecias de Isaias, diziam: que chegaria um messias e que libertaria o povo do jugo dos estrangeiros. Era isso que eles imaginavam, que ele lideraria uma revolta e seria vitorioso. Outros líderes acabaram levando o povo judeu a uma revolta contra os romanos. Em 70 D.C. essa revolta se realizou e o imperador mandou suas tropas, que derrotaram os rebeldes judeus definitivamente. E já cansado de tantas revoltas dos judeus, ele decidiu que eles não ficariam mais juntos e ordenou que os judeus se espalhassem no império a isso chama-se diáspora, para enfraquecê-los, dividiu-os. Cada um num canto do império. Não podiam ficar mais juntos e nem ser uma nação. Situação que só mudou, quase mil e novecentos anos depois em 1948, quando novamente foi fundado um estado judeu, que não tem paz, pois foi fundado num lugar que já estava há quase 1900 anos sendo habitado também por outros povos, os palestinos. Então cada um defende seu direito histórico – Essa terra é minha! – são incapazes de se juntar e viver em paz e tolerar um ao outro, então criaram uma cultura de ódio.
No fim, nós podemos ver que isso tudo está baseado em egos, em “eus”, porque cada um assumiu uma identidade. Se eles perdessem a memória hoje e ninguém mais lembrasse quem é, olhassem uns para os outros e vissem seres humanos, que são da mesma raça, que são idênticos, todo conflito cessaria. Ninguém veria a necessidade de dar tiro no outro, nem de fronteiras nem nada assim, porque afinal de contas, seriam apenas seres humanos sem memórias. Então, isso ocorre porque foram condicionados a acreditar – eu sou diferente, eu, eu, eu – e, porque tem “eus” , tem conflito.
E essa é a grande lição de Buda quando diz – “Você não me enganará mais” – e ele então estende a mão, toca na terra e diz: “Tomo a terra como testemunha, você não me enganará mais”. Então o tema da palestra de hoje é: “Nós devemos olhar para dentro de nós mesmos” e a cada vez nos perguntarmos – Quem é esse que se irrita, quem é esse que perde a paciência, quem é esse que pensa que tem razão, quem é esse que tem opiniões, quem é esse que não consegue se calar? – Esse que vocês podem identificar, é nosso maior inimigo.