Quando tudo se desfaz e nos encontramos à beira sabe-se lá de que, o desafio que se apresenta a cada um de nós é o de permanecer nesse limiar, sem buscar alguma ação concreta. O caminho espiritual não tem nada a ver com o paraíso, com chegar finalmente ao céu. Na verdade, esse modo de encarar a vida é que nos mantém infelizes. Pensar que podemos encontrar algum prazer duradouro e evitar a dor é o que o budismo chama de samsara, o ciclo inútil que gira e gira, infinitamente, e nos causa tanto sofrimento. A primeira nobre verdade que o Buda nos apresenta chama nossa atenção para o fato de o sofrimento ser inevitável para nós, seres humanos, enquanto acreditarmos que as coisas permanecem, que não se desintegram e que podemos contar com elas para satisfazer nossa ânsia de segurança. Sob esse ponto de vista, o único momento em que realmente sabemos o que está acontecendo é quando nos puxam o tapete e não encontramos nenhum apoio. Podemos utilizar situações desse tipo para despertar ou escolher dormir. Exatamente ali, precisamente no momento em que ocorre a experiência de faltar o chão, encontram-se as sementes que nos levarão a cuidar daqueles que precisam de nós e a descobrir nossa própria bondade.
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A vida é uma boa professora e amiga. Se pudéssemos perceber, veríamos que tudo está sempre em transição. No fim, nada é como sonhamos. Esse estado descentralizado e indefinido representa a situação ideal. Nesse ponto, não estamos presos a nada e podemos abrir nosso coração e mente além de qualquer limite. Essa é uma situação sem agressividade, muito frágil e aberta.
Ficar nesse desequilíbrio, com o coração partido, o estômago apertado, o sentimento de desesperança e o desejo de vingança, é o caminho do verdadeiro despertar. Ficar na incerteza, pegar o jeito de relaxar no meio do caos, aprender a não entrar em pânico, esse é o caminho espiritual. Desenvolver a habilidade de perceber-se, de perceber-se com suavidade e compaixão, esse é o caminho do guerreiro. Gostando ou não, temos de nos flagrar um milhão de vezes e mais uma, quando congelamos em ressentimento, amargura e justificada indignação, quando congelamos de qualquer modo, até mesmo em sentimentos de alívio e inspiração.
PEMA CHÖDRÖN. Quando tudo se desfaz. Editora Gryphus – Traduzido por Helenice Gouvêa