Pergunta: – Monge Genshô, essa questão de que todos já são Budas, todos já estão iluminados, se está sentado em zazen, já é um iluminado, etc, É como a analogia de que todo mundo aqui está nu, mas está com a roupa por cima. Então, ou seja, é uma coisa que está dentro da gente, mas tem alguma coisa sufocando, que tem que ser perdida. Essa analogia é válida para esse caso?
Monge Genshô: Todas as analogias têm limites. Quando a gente diz “todos já são Budas”, na realidade nós queremos dizer que todos já são Budas “em potencial”. Não são Budas mesmo. Estão se manifestando como Budas, nesse instante. Então, num certo olhar, nós podemos dizer que “sentar-se é iluminação”. Mas, do outro lado, também não é ainda a iluminação.
Aluno: Mas teria que acender alguma coisa? Teria que tirar alguma coisa?
Monge Genshô: Na verdade, não tem que tirar nem tem que colocar nada. É apenas uma mudança de perspectiva. É como encontrar a carteira perdida. Ela sempre esteve ali dentro do carro, escondida em baixo da mochila da Rachel. Ela estava lá. Todo tempo. Ninguém sabia que estava lá. Então, todos os motivos para preocupação, incômodo e tudo mais estavam só na mente. No momento que você encontrou a carteira perdida é um momento de acordar. Acordou de um sonho. Os sonhos todos construídos, todos os telefonemas, todas as burocracias, todas as coisas. Todos os prejuízos que estavam implícitos se dissolveram instantaneamente.
Então, nós só não estamos iluminados porque não enxergamos o que é a iluminação em si. Porque estamos jogados dentro de um sonho e acreditando no sonho. Acreditando no sonho do eu, acreditando no sonho dessa vida, com medo de morrer, com medo de perder seres amados, com todas as implicações decorrentes do existir. Nós estamos ali. Se nós acharmos o que estava perdido, é instantâneo. Então, a iluminação, o despertar é um processo instantâneo. Quando você acorda, aqueles problemas que pareciam problemas não são problemas. Mesmo no episódio que eu contei. É o mesmo problema, os problemas continuavam exatamente os mesmos, o que mudou foi que, sentado no zafu, eu percebi que eu posso perder tudo. Qual é o problema? Não há problema.
É como o mestre que estava numa cidade que foi invadida por um exército, e um general entra no templo e fica indignado porque ele não tem medo. Está só sentado lá em zazen, quando o mundo todo está pegando fogo e pergunta para ele, com a espada suja de sangue: “Você não vê que eu posso matá-lo nesse instante”? E o mestre responde: “E você não vê que eu posso morrer nesse instante”? Eu posso morrer nesse instante. Grande coisa, que você pode me matar nesse instante! Grande coisa! Então, essa visão, essa perspectiva é a perspectiva da iluminação. Aquilo que é problema, não parece problema. É só isso. Por isso, toda agitação e angústia podem se dissolver, se tem problema, passado algum tempo, ele estará resolvido. É questão de tempo, e se não estiver resolvido, se for uma questão de doença por exemplo, não se resolverá, tenho uma doença que não tem jeito, aí eu morro. É, morro, sim, morro. Tá certo. Grandes problemas dos apegos que eu tenho. Não tem problema. Os apegos também se dissolverão. “Ah, se eu for embora o que será da minha família”? Todas as famílias sempre sobreviveram à morte dos entes queridos. Morre e aí continua. A família continua. Pode ser diferente? Pode. Você é que olha de uma perspectiva que faz as coisas diferentes do que elas realmente são. E, por isso, bastaria andar passo a passo.