Quem viu aquele filme “Zen”, sobre a história de Dogen? Lembram que ele vai à China procurando mestres e quantas vezes ele se desilude, a tal ponto de desistir? Até que ele encontra aquele que nós recitamos o nome hoje, “Tendô Nyojo”, e então ele vê em Tendô Nyojo um mestre que pode conduzi-lo. Ele fica com Tendô Nyojo por cinco anos praticando. Mas ele já praticava desde os doze anos de idade, já era monge desde os doze anos de idade. Naquela época podia-se entrar num mosteiro muito cedo, um órfão como ele era. Então, o problema não mudou, pois em mil duzentos e tanto Dogen já sentia esse problema e escrevia: “que lamentável que os monges de hoje não sejam como os antigos, que os mestre não sejam como os mestres antigos”. E lamenta a pobreza espiritual das pessoas que ele encontra.
Na verdade, essa é uma queixa de sempre. Sempre foi assim e continua sendo hoje. Então nós temos que olhar com cuidado. Tem um ditado do budismo tibetano “examine seu mestre por oito anos antes de aceitá-lo”. Observe-o durante oito anos e depois de oito anos: “ah sim, vou aceitar este como meu mestre, eu realmente quero aceitar”.
É interessante falar um pouquinho sobre a diferença entre aluno e discípulo. Aluno não é problema, nesse momento todos vocês são meus alunos. Todo mundo sentou aqui e aceitou ouvir uma aula, não é? Então todo mundo é aluno e eu neste momento, professor. Explico, vocês aceitam. Você pode sair e dizer: “ah gostei disso, não gostei daquilo outro, não concordei com aquilo”, não tem problema nenhum, você é aluno, vem eventualmente às palestras e só. Não há nenhum compromisso ou vínculo especial.
Mas discípulo é outra coisa.
Quando alguém diz: “eu queria que o senhor fosse meu mestre”, eu entendo: “você está pedindo para ser meu discípulo”. É uma relação mais próxima. Quer dizer o que? O aluno me acompanhará, estará sob a minha orientação constante, e o que eu disser não será discutido. Não vai mais ser discutido. Se eu disser “esse chão é de madeira”, você tem que olhar para o chão e dizer: “ele diz que é de madeira. Então minha concepção de cerâmica está errada. Cerâmica é madeira. Porque ele disse que cerâmica é madeira? Vou ter que entender isso”. Mas não tem uma contestação. Tem um “eu é que devo estar enganando, então vou pensar a respeito”. Aí daqui a dois anos, se eu entender porquê cerâmica é madeira, digo: “ah, muito obrigado por ter me ensinado aquilo”.
É completamente diferente a relação de discípulo com mestre. É próxima.
Sento na frente do meu mestre e ele diz: “Ah, eu vou à Cuba, você quer ir junto comigo à Cuba?”, eu digo, “é claro, eu quero.” Depois meu mestre vem e diz: “ah desisti de ir à Cuba”, e eu digo: “sim senhor”, e ele: “quem sabe você não vai sozinho?”. E eu fiquei na frente dele: “sozinho? Ele: “É, aham”. O que vou fazer? Não posso discutir com ele, não tem discussão. Discípulo é alguém que vai seguir um caminho porque quer chegar naquilo que o seu Mestre tem para ensinar. É outra coisa.
Então tem três qualidades para o discípulo: silente, não resistente e obediente. Você tem que escolher, silente, não resistente e obediente. Não dá para gente ficar lutando com aluno para convencê-lo de alguma coisa.
Alguém já estudou música? Ó, tem um bocado de músicos, né. Qual instrumento? Só teoria? Vários? Quando era jovem tocava violino. Lembro que estava com um professor chamado Friedrich, Seu Frederico, disse que em um concerto tinha que tocar determinado dedilhado. E eu perguntei: “mas esse outro dedilhado aqui não fica mais fácil? Ele parou um pouquinho e disse: “quando você for um virtuose, você toca do jeito que você quiser, mas enquanto estiver aprendendo comigo, faz o que estou falando, entendeu”? Recém está começando e quer achar que tem uma solução melhor que o professor que está ensinando.
Essa lição nunca saiu da minha cabeça. “A postura é essa, faça essa curvatura lombar”. Já me aconteceu em Florianópolis de chegar um rapaz e dizer: “acho que minha mão esquerda tem que ficar embaixo da direita pois sou canhoto”. Não tem condições de ficar discutindo cada detalhe. “Não gostei dessa posição.” Você recém chegou, tem que esperar, daqui a vinte anos você inventa alguma coisa nova, mas agora, não. Mas o que acontece com aqueles que passaram vinte anos treinando? Eles não discutem mais. “Porque tem que limpar o prato com o pão se depois vai ser lavado?” Não é assunto para ser discutido. O Mestre disse que é assim, limpa o prato com o pão e come o pão.