Quando o Zen chegou na China, no ano 600 d.C., ele já se impôs como uma prática com viés elitista do ponto de vista espiritual. Basta olhar o comportamento dos mestres Zen: eles não tentam fazer uma religião para o povo. Eles estão num país que já é budista, que tem budistas para todos os lados. A China já era budista havia 500 anos: o próprio imperador era budista quando Bodhidharma chegou lá.
O que os mestres Zen daquela época tentaram criar foi um núcleo para pessoas que procuravam a iluminação, de modo que eles selecionavam os discípulos com grande severidade. Bodhidharma passou nove anos sem aceitar nenhum discípulo, e só aceita Taiso Eka quando este corta o braço para mostrar sua sinceridade. E as atitudes de Bodhidharma sempre são assim, muito “não consoladoras”.
Taiso Eka ficou na frente da caverna por três dias sem comer, sem beber, com neve cobrindo seus pés, até que, desesperado, corta o braço (provavelmente ele deu um talho o braço para mostrar sua sinceridade, tradição, jurar pelo seu sangue, mas ele é representado miticamente com o braço cortado). Bodhidharma, ao ver o sangue de Eka, vai até ele e pergunta: “muito bem, o que você quer?”. E Taiso Eka diz: “mestre, minha alma não tem paz, pacifica minha alma!”. Bodhidharma responde: “mostre-me tua alma e eu a pacificarei”. Taiso Eka embatuca. Bodhidharma diz: “pronto, já pacifiquei tua alma”.
É, na verdade, um diálogo de demolição: demoliu ilusões de Taiso Eka, que se iluminou naquele exato momento, tornando-se desperto. E ele é o sucessor de Bodhidharma. Ambos estão em nossa linhagem direta.
Então, o Zen vai para as montanhas, tem mosteiro, os mestres admitem alunos, como Bodhidharma admitiu Taiso Eka: com grande severidade. Nossa atitude hoje é um pouco descendente disso: quer vir para o sesshin? Quer ouvir palestra? Muito bem, tem que se sentar de frente para a parede, tem que sofrer. Sofreu, doeu, não desistiu, ficou aqui, então tudo bem: você merece respostas. Se vier e disser assim: “quero fazer perguntas”, só curiosidade intelectual, não vai levar a nada. No fundo, é o esforço que vai fazer levar.
[N.E.: transcrição de palestra realizada por Meihô Genshô Sensei]