Fotos Seigen
Emerson escreveu na lista Chungtao:
“Gostaria de apontar para o fato de que as pessoas de alguma forma ligadas a esta cerimônia de Aparecida Kannon, seja porque fazem parte da comunidade que a organizou, seja porque foram lá participar (no caso, eu rsrsrs), ao serem questionadas sobre o significado de “Aparecida” (e eu fui um dos primeiros que questionei), têm se mostrado evasivas nas respostas.
A razão mais direta de não se responder diretamente a esta pergunta é que, como já foi dito, trata-se de uma proposta do Saikawa rôshi e obviamente ninguém pode responder por ele. Há outras razões e aqui eu gostaria de falar das minhas, pois também fico feliz de que ela possa voltar a ocorrer.
O fato é que, considerando as palavras do Handa-san, que é um monge diretamente ligado a este mestre e que também participou da cerimônia, nem mesmo eles, envolvidos diretamente na preparação e execução, receberam explicações detalhadas sobre esta questão.
Em outras ocasiões, inclusive em um retiro, já tive a oportunidade de estar ao lado do rôshi e, até onde permite ver minha compreensão embaçada, posso dizer que eu o reconheço como um verdadeiro mestre zen. Em outras palavras, acredito que qualquer “proposta” que
venha dele tenha nascido de sua compreensão peculiar.
Mas este é apenas o primeiro ponto.
Neste caso em particular, “compreensão” sobre exatamente o quê? Sobre a compaixão, eu responderia, que, segundo explicações dadas, é o objetivo desta “proposta”.
Então temos um mestre zen japonês que, munido de sua “compreensão peculiar”, decide fazer em terras tupiniquins uma cerimônia “para a compaixão e comunhão entre todas as pessoas”, conforme foi anunciado, e então ordena a seus monges e ao “departamento
feminino” do templo que prepare tudo para a novaCerimônia a “Aparecida Kannon Bosatsu da PazUniversal”. Quase isso. Quem olhou e reconheceu, pôde ver no álbum do Seigen o próprio rôshi varrendo o chão e mexendo as panelas. Aqui acho que começa o ponto essencial: esse é um ato de expressão de comunhão entre as pessoas levado à prática, não de discussão
sobre o tema.
Ao se buscar a comunhão temos que primeiro procurar o que temos em comum, não o que nos distingue. O ponto de contato entre Kannon Bosatsu e Nossa Senhora Aparecida é naturalmente a devoção que o povo japonês têm pela primeira e o brasileiro, pela segunda. Mas o
mais importante é que para quem estava servindo no dia, ou sendo servido, isso não fazia a menor diferença.
No fim percebei que é preciso algum coração e se largar mão de muita racionalidade para participar de um evento com este espírito, seja por conta de nossa convicção religiosa, seja por causa de nossos conceitos e idéias sobre as coisas do coração, como compaixão. Na prática, qual é a diferença se a compaixão é encarnada pela santa padroeira ou pelobodisatva? Ambos são conceitos religiosos, pois carecem de uma definição clara (ambos estão associados
aos seus respectivos epítetos) para existirem. E quem precisa de conceitos para comungar, se é verdade que a comunhão é assunto do coração e não do raciocínio?
Assim, não estou escrevendo estas palavras para justificar, seja para os outros ou para mim mesmo, minha participação, nem mesmo para justificar a existência própria do evento, mas para
desconstruí-las, para reconhecer que seria lamentável se eu continuasse necessitando de uma justificativa ou explicação, ou que todos os conceitos precisassem se encaixar perfeitamente na minha cabeça.
Digo desconstruir estas palavras porque só depois de concebê-las, paradoxalmente percebi que se continuasse precisando de justificativas para me aproximar de outras pessoas ou para pôr a compaixão em prática é que eu certamente deveria a começar a participar de cerimônias deste tipo, onde dar uma explicação seja tão difícil quanto dar a resposta a um koan, onde a
questão queimasse fundo todos os conceitos e sobrasse apenas a vivência. E, quem sabe, se continuar praticando assim talvez um dia, em vez de apenas me servir, consiga chegar ao nível de ser capaz de varrer o chão para a cerimônia.”
Emerson