Perg: Não entendo certas histórias zen, como a do monge que faz uma reverência para sua mãe quando ela se afoga em lugar de saltar no rio e ajudar. O que pretendem histórias assim? Penso que não podem ser modelos de comportamento.
R:
O koan não se destina a dar um modelo de comportamento a ser aplicado em diferentes situações. Não é, em absoluto, um exemplo. Se assim o fosse, passaríamos a matar gatos para ensinar, deixar as tragédias ocorrerem sem nos movimentar. Portanto, um koan não pode ser interpretado como uma história edificante, antigo modelo de nossa literatura.
Se você olhar em termos de ‘certo/errado’, dentro de uma forma cultural, vai salvar a anciã da água, mas no caso do koan, o monge não vê a água como uma condenação, nem a morte da mesma forma e seu conceito de salvar pode ser muito diverso.
Semelhante problema poderia ocorrer hoje em uma UTI. Vejamos:
Uma velha senhora, sua mãe, está em uma UTI amarrada em máquinas e o médico lhe pergunta se deve continuar prolongando artificialmente aquela vida,ocupando um leito necessário. Você tem de decidir se a máquina de diálise deve deixar de ser usada, e isso significa a morte em 48 horas. Você deixa a natureza seguir seu curso ou intervém mandando continuar o prolongamento artificial da vida? Se você decide deixá-la morrer, ditando, inclusive, o momento da morte afogada em líquidos retidos no corpo pelos rins que não funcionam, você se põe ao lado dela e, sabendo que você ordenou aquele processo, você ora profundamente sem nenhuma dúvida? Você consegue aceitar o curso dos acontecimentos? Você permanece tranqüilo? Você percebe que todos os seres do universo são sua mãe? E que aquela ali morrendo por sua ordem é apenas um fenômeno no universo, além de vida e morte? Você alcança que a morte em si é uma ilusão sua? Que seus atos não podem ser ditados pelos seus desejos pessoais de sentir-se justa, mesmo que à custa do momento adequado para o outro partir e do leito necessário para outra pessoa?