“No zen praticamos sob a orientação espiritual de um mestre e a partir do momento que se deixa a posição de aluno para ocupar a posição de discípulo você vai dizer ‘hai’ (‘sim’), para as instruções ligadas à prática. A única exceção são coisas que firam os preceitos, porque um verdadeiro mestre não vai lhe pedir para fazer algo que fira os preceitos.
A palavra do mestre perpassa toda a organização. Primeiro os dirigentes regionais, os coordenadores, os mais velhos, os veteranos, até aquele que recém entrou. Neste momento a mente de principiante é o maior benefício, porque o principiante não faz muitas considerações e aceita as instruções sobre como sentar e como se portar dentro da comunidade sem questionamentos.
Como normalmente a mente de principiante tem essa pureza, o principiante avança rapidamente, mas logo que passa esse avanço inicial parece surgir um platô e não avança mais, fica estagnado. Mas por quê? Porque passamos a pensar, considerar, julgar, criticar e a cultivar nossas próprias opiniões. Esse é o maior problema do praticante: a sua opinião.
A obediência no treinamento monástico surge como uma prática de esquecer de si mesmo, esquecemos de nós mesmos e dizemos ‘sim’ para as instruções e as seguimos. Quando cultivamos nossas opiniões, quando queremos ter ideias melhores que a dos veteranos, ideias melhores que as das pessoas que estão dirigindo Conselhos ou mesmo quando achamos que somos mestres por nós mesmos e não precisamos de mestre, quando cultivamos esse tipo de mente nos perdemos na vaidade, no orgulho e nos desviamos de todo o caminho.
Esta prática da obediência no sistema monástico é levada ao ponto de obedecermos aos veteranos mesmo quando eles são contraditórios e muitas vezes o teste é exatamente este: dar uma instrução e depois dar uma instrução contrária e observar a reação do discípulo.
Aquele que realmente consegue esquecer de si mesmo obedece uma instrução e depois obedece a outra contraditória e depois a outra de novo contraditória, sem protestar. Isso é extremamente difícil num mundo de individualidade como o nosso.
No exemplo que dou no livro O pico da montanha falo de um instrutor que diz para varrer da esquerda para a direita, mas se aparece outro instrutor e diz para passar da direita para a esquerda você diz ‘hai’ e imediatamente começa a varrer da direita para a esquerda. Se o primeiro volta e o repreende ‘eu não disse para varrer da esquerda para a direita?’ a resposta tem que ser ‘hai, sim, senhor’ e imediatamente começar de novo a varrer da esquerda para a direita.
Ser capaz de fazer isto sem um sentimento interno de protesto e de não conformidade é o teste real da obediência. É claro que este treinamento tem dentro de si riscos e, por isso, devemos examinar com cuidado qualquer organização ou mestre antes de entrar. Se aceitamos o treinamento o aceitamos integralmente, a única exceção é o descumprimento de qualquer regra moral.
Se aprendermos isso aprenderemos verdadeiramente a relação mestre e discípulo e as histórias do zen, as tibetanas, até mesmo as cristãs, que estão cheias de exemplos semelhantes. Alguns extremamente radicais.
Uma história tibetana conta de um mestre que manda o discípulo construir oito vezes uma torre de pedras e depois que estavam prontas o mandava destruir. E o discípulo obedeceu. Depois que ele fez isso pela oitava vez foi quando o mestre o considerou digno.
Outro manda o discípulo trazer ouro em pó somente para levá-lo até uma colina próxima e largar o ouro no vento. O ouro que seria para pagar seu treinamento. E assim quando o discípulo não tem mais nada é que o mestre o considera digno.
Que cada um de nós possa meditar profundamente a respeito do que significa abandonar a si mesmo, seu eu, suas opiniões, sua ideia de como as coisas devem ser feitas para seguir a grande correnteza. Existe enorme diferença entre aqueles que entram na correnteza do grande rio e aqueles que querem seguir pela margem o seu próprio caminho.”
Texto do Teishô Matinal proferido por Meihô Genshô Sensei, julho a agosto, 2020.