Monge Kômyô é um noviço no zen, porém vem de uma longa trajetória no zen vietnamita (Thien) e nas artes plásticas e nas típicas do zen como o origami, a ikebana, o sumyê e a caligrafia. Ele haver-se colocado como meu aluno diz muito mais sobre suas qualidades do que das de seu orientador.
Estou postando suas palestras gentilmente decupadas pelos alunos dos grupos de estudo do zen para proveito de todos, não são palestras oficiais do Dharma mas os praticantes entenderão a qualidade de sua partilha sobre a prática do zen.
Goiânia 2014
Monge Kômyô: Eu gostaria, nessa conversa primeira do dia, retomar um pouco alguns comentários sobre a prática. O esforço, a experiência que nós temos num sesshin é um treinamento para todos, eu inclusive. O treinamento fundamental é conseguir estabelecer a mente de forma consciente, clara. Isso não é muito fácil. E não é fácil apenas pelos aspectos externos da vida. É essencialmente exigente, devido à natureza da mente condicionada, nossa mente.
Ontem eu comentei que todos nós carregamos uma bagagem. No contexto da psicologia budista, do Abhidharma, todos nós estabelecemos nas nossas vidas, a partir do padrão de nossas vidas, vasana. Vasana é energia de hábito. Cada um de nós possui um agrupamento de energias de hábito que caracteriza quem nós somos. Num retiro, mesmo que nós nos esforcemos para que ele seja organizado, adequado para que todos pratiquem, no retiro continua atuando um fenômeno, uma lei fundamental, que é a impermanência. Nunca há ambiente perfeito. Nesse momento nós temos um exemplo: temos aqui um som lindo, mas temos uma musiquinha também em algum lugar aí. Às vezes pensamos “Poxa, que chato essa música. Queria ficar aqui ouvindo as cigarras. Mas o treinamento está em aprender a estabelecer a mente, para poder aprender a lidar com todas as coisas sem conflito. A mente condicionada, essa mente que se caracteriza por muitas energias de hábito, é uma mente que, essencialmente… como se diz no Zen, é como um macaco louco dentro de uma casa. Nossa mente, nossa cabeça é a casa. E aqui dentro há um macaco louco. Quando nós tentamos estabelecer um regime de auto-observação mais intenso, o macaco louco não gosta. A tradição Zen lida com os paradoxos.
A experiência zen, em geral se manifesta para dar uma rasteira na gente. Por que isso? É alguma perversidade? Não. O objetivo no Zen é tentar desestabilizar a falsa idéia que o nosso eu tem de que está no controle e que tudo tem que se adaptar às nossas expectativas. O trabalho contemplativo é um trabalho árduo de descondicionamento. Portanto, num retiro, o primeiro convite que eu faço a todos é: simplesmente observem a si mesmos. Diante dos desafios, das situações, do próprio movimento durante o sentar e fazer zazen, observem a si mesmos. Não tentem controlar, até porque vocês não vão conseguir. Observem. Esse é o primeiro passo. O primeiro passo é reconhecer a si mesmo. O silêncio, a introspecção, ela ajuda a estabelecer esse meio, para que possamos reconhecer melhor quem nós somos. Sem culpa, sem recriminação, sem crítica, só reconhecer. Já aí temos um grande desafio.
(continua)