Frequentemente recebo cartas de pessoas passando por grande sofrimento. Esse sofrimento é normalmente gerado pelos acontecimentos da vida. Hoje foi uma senhora, cuja mãe está hospitalizada e será submetida a uma cirurgia de grande porte, estando em uma situação grave. Ontem era uma esposa, cujo casamento tinha acabado repentinamente e sentia-se sofrendo grande dor. Na carta dela, dor era um sentimento tão forte que escrevia, por ser da Espanha, DOLORRR, em letras maiúsculas e muitos érres. Grande sofrimento!
Essas pessoas, neste momento, procuram o Dharma. Todos sabem o que é a dor da perda e todos se entendem nisso. Apenas os muito jovens, que ainda não viveram uma grande perda ou desilusão amorosa, não sabem deste sentimento. Mas os que viveram um pouco mais, têm a experiência da perda, da morte, da doença ou do rompimento dos relacionamentos. Há um dito budista sobre o “teto do inferno” um grande amigo monge tem um blog com este título. Nós andamos no teto do inferno. Poucas pessoas poderão dizer que isto é desconhecido. Qual a característica deste andar no teto do inferno? Normalmente é a perda, a desilusão, ou o fato que você tenta fazer algo e não consegue, um empreendimento que você tenta dá errado, e todos começam a falar mal de quem tentou e não conseguiu são os amigos que estão ao seu lado só no sucesso.
Os EUA costumam dividir as pessoas em dois tipos, as pessoas winners e os loosers , ou seja, os ganhadores e os perdedores, com um desprezo generalizado pelos perdedores. “Você é um fracassado, um perdedor”. Na nossa sociedade também, para as pessoas de sucesso perdoa-se tudo e, quando alguém fracassa, muitas pessoas sentem-se felizes, pois isso compensa seus fracassos pessoais, então todos ficam um pouco “contentes” com o fracasso daquele grande empresário ou político. Tudo isso causa sofrimento nas pessoas, porque elas vêem o olhar dos outros, as conversas, e vêem a perda.
Mas o importante do ponto de vista budista é: o teto do inferno não é infinito. Nós andamos em um vale de sofrimento, mas ele tem um fim, ele sempre tem um fim. É difícil explicar isso para as pessoas. Hoje você tem uma perda, mas daqui a dois anos esta perda não parecerá o que parece agora, não é bem assim. Nós acabamos aceitando as perdas, absorvendo aquele sofrimento e nos conformando com ele. Existe também a benção do esquecimento, pois não conseguiríamos ficar para sempre lembrando daquela tremenda angústia, provocada por um sofrimento.
Então tenho acompanhado cada vez mais, essas perdas e sofrimentos e tento dizer: “Isto é impermanente, você vai poder superar isso”. “Não se deixe derrotar”. “Sofra, mas não se deixe derrotar completamente”. É bobagem nós dizermos para as pessoas: “Ah, não sofra, você vai esquecer isso, vai aparecer outra pessoa para você, você vai esquecer essa morte. Afinal de contas todo mundo perde pai, mãe, avós”. Isto é muita falta de sensibilidade, porque as pessoas que sofrem querem ouvir que nós sabemos o que é o sofrimento, que nos solidarizamos com elas e que compreendemos. Não estamos sofrendo com você da mesma forma, porque isso é uma mentira, mas podemos chorar juntos. E esta partilha do sofrimento é a compaixão. Compadecer-se: padecer junto.
Este é um sentimento que devemos cultivar, compreender profundamente o sentimento que o outro tem e que às vezes é incompreensível para nós, pois está longe demais da nossa experiência. Às vezes é uma doença que talvez nunca teremos, mas nós podemos padecer junto.
Esse é o melhor remédio, mostrando, de alguma forma, que o teto do inferno pode ser percorrido. Nós queimaremos a sola dos nossos pés, mas ele acaba, ele tem um fim. Ou seja, nenhum sofrimento é permanente, todos eles são transitórios.