O Terceiro Elo – Final | Monge Genshō

O Terceiro Elo – Final | Monge Genshō

[CONTINUAÇÃO]

Pergunta: A prática de zazen nos faz surgir memórias remotas? Comigo acontecem muitas lembranças da infância a ponto de ver detalhes até da parede de casa de amigos de infância.

Genshō Sensei: É verdade. Esse fenômeno é referido muitas vezes. Mesmo memórias que estavam perdidas às vezes surgem com a prática do zazen, porque na prática do zazen você acessa seu próprio inconsciente. Você acessa partes da sua mente que pareciam ocultas ou empanadas pelo tempo. Essa compreensão é comum. E eu já vi mesmo fenômenos com pessoas que tinham problemas por não lembrarem de um pai falecido na primeira infância, por exemplo. E na prática do zazen, de repente, memórias remotas que estavam perdidas surgirem e aquele sentimento de perda ser dirimido.

Pergunta: Podemos entender que ao escolher qual memória manter ou cultivar, podemos refinar nossa consciência e nossa percepção?

Genshō Sensei: Sim, podemos. Até porque nós devemos focar nossa mente em coisas altas e elevadas. À medida que você procura literatura, filmes… coisas de nível elevado… pessoas ou amigos cujas referências são elevadas, você começa a mudar seu Saṃskāra, suas marcas, que é aquilo que nós falamos do Segundo Elo. À medida que você muda suas marcas, a maneira como sua consciência funciona começa a se alterar também, porque você vê aquilo que está preparado para ver.

Um exemplo fácil é o seguinte: existem pessoas muito maliciosas, estão focadas em malícia e daí então todas as piadas e referências, tudo lhes parece levar para aquela percepção maliciosa do mundo. E existem outras pessoas que parecem puras ou inocentes, que têm dificuldade de compreender piadas, anedotas maliciosas… simplesmente não entendem. Porque sua mente não está focada ou afinada com aquelas referências. E isso, essa inocência, é uma coisa bela. É muito bom.

A mente maliciosa, pelo contrário, é uma mente que se mostra focada, cultivada na percepção da malícia. É fácil observar isso na nossa convivência diária com outras pessoas. E uma recomendação de prática budista mesmo era afaste-se dos lugares onde a malícia está sempre presente, porque ela não constrói uma boa coisa em nossa mente.

Pergunta: Beber café antes do zazen para aumentar a concentração e diminuir o sono pode ser benéfico?

Genshō Sensei: Na realidade, o chá, que tem cafeína, foi adotado pelos monges porque os monges dormiam pouco. Parecia que o chá os acordava e ajudava a ficar mais alertas, despertos em vigília, e foi assim que o chá se espalhou na cultura oriental a partir da prática mesmo da meditação no budismo. O fato de ser benéfico vai depender dos corpos e de certas condições. Nós sabemos que o excesso de cafeína pode ser prejudicial em várias circunstâncias.

Mas o uso moderado parece que, através dos séculos, não causou nenhum problema maior. Então, isso depende da sua saúde, do seu corpo etc. Não há nenhuma contra indicação explícita na prática budista sobre tomar café ou chá antes da meditação.

Pergunta: Qual é a explicação do Zen para sonhos? É possível ter experiências místicas através deles?

Genshō Sensei: Os sonhos são produtos daquilo com que você alimentou sua mente. E eles dizem muita coisa sobre você. Há muitos relatos de sonhos na literatura budista, na literatura dos mestres. Mas as experiências místicas em si devem ser obtidas durante a vigília. E não através dos sonhos. Os sonhos são, vamos dizer, informativos para você, sobre o estado da sua mente. É quando ela está funcionando sem a sua censura ativa. Então pode revelar bastante coisas interessantes.

E, por isso, o sonho está tantas vezes presente na literatura. Mas as experiências de despertar, em si, devem ser obtidas em vigília. E essa é a prática tradicional e bem estabelecida através dos séculos.


Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual em maio de 2024.