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Outra coisa importante a respeito dessa realidade é que tomamos o nosso mundo como existente, apesar de ele existir momento a momento. Há um momento de consciência, outro e outro… São momentos de consciência sucessivos e muito rápidos. Nós os ligamos através da memória. É fácil entender isso se percebermos que, quando assistimos a um filme, ele transcorre num ritmo de 24 quadros por segundo. Vemos quadros completamente estáticos; cada um é um fotograma. Mas, como os vemos em rápida sucessão, temos a impressão de continuidade de movimento, de que existe uma história acontecendo.
Nunca pensamos nisso quando estamos vendo o filme: que, na realidade, há uma imagem após a outra e que quem cria a ideia de movimento é a nossa mente ao ligar a memória de um quadro ao outro. Há quadros sucessivos, momentos de consciência completamente independentes, mas, ao serem passados rapidamente, temos a ilusão de continuidade, de que há um homem caminhando, uma pessoa falando… Mas isso não é verdade; é puramente construído. E isso é o que chamamos de ilusão. Essa é a distinção entre ilusão e delusão. Ilusão é isso: o filme, que sabemos ser uma sucessão de quadros independentes. Mas essa realidade que estamos vendo agora, as nossas vidas, tomamos como real e não como uma sucessão de momentos independentes de consciência ligados pela memória.
Tomamos isso como o universo real, aquele que dizemos “isso é a realidade”. O problema que estou tentando demonstrar aqui é que aquilo que percebemos como a realidade, através do nosso contato, não é uma realidade objetiva, mas sim uma sucessão de momentos de consciência ligados pela nossa memória. E por isso temos a sensação de que “eu sou”, “eu assisto”, “eu enxergo”, “eu vejo”, “a história é essa”, “o que aconteceu foi isso”. Acreditamos que nossa interpretação é objetiva e que a realidade é aquilo que experimentamos. Então, usando os sentidos, ficamos prisioneiros dessa forma de sentir. Através do nosso contato com essa realidade, ficamos prisioneiros dela. É ela que existe; as outras, eu ignoro. Como não as percebo, concluo que são inexistentes e que isso que estou vivendo aqui e agora é a realidade objetiva.
Nós não chegamos a perceber como isso é limitante! Porque perdemos todo o resto ao ficarmos presos a uma determinada forma de sentir, delimitada pelos sentidos, que, no momento em que fazem o contato, congelam a situação. Nós congelamos este mundo através desse contato: só temos esta forma de ver, só esta luz visível, só este espectro de vibrações auditivas que percebo, só estes limites de calor e frio; além deles, eu não percebo. E pensamos: “isso é a realidade” e o resto, o não percebido, é descartado.
Eu não diria que isso é um erro, porque seria impossível para nós vivermos percebendo tudo. Se aqui e agora recebêssemos não só essa transmissão que escolhemos assistir, mas todas as outras transmissões que estão sendo feitas na internet neste exato momento, não seríamos capazes de entender nada. Teríamos, talvez, apenas um infinito borrão de luzes piscantes, algo assim. Se não escolhermos algo, não somos capazes de dar conta da multiplicidade de transmissões, da multiplicidade de coisas possíveis de serem vistas e percebidas.
Temos que escolher alguma coisa, mas ao mesmo tempo pensamos que esta é a única coisa. Cada pessoa no mundo pensa que é a sua vida que importa, sua vida que é percebida. Então entendemos que o universo, que o mundo, é aquilo que percebemos porque escolhemos uma forma de perceber. Imaginar tudo aquilo que nos escapa é extremamente difícil.
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Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual em dia 2 de março de 2024.