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É o que acontece bem claramente no caso das drogas, mas que acontece de maneira sutil nas suas escolhas afetivas, nas suas escolhas de mundo, nas suas escolhas de trabalho e em tudo mais. Cada escolha que você faz é a abdicação de uma parte da sua liberdade. Então, se você observar a sua mente e vir surgir Vedanā, a escolha, ela, essa escolha não tem nada a ver com a realidade objetiva. Essa escolha é uma realidade nova, mas as pessoas dizem “Eu sou assim!”, como se não fossem livres. Elas são fundamentalmente livres, poderiam fazer escolhas diferentes. Podem abdicar de um tipo de vida para outro. Podem abdicar de um tipo de relacionamento para outro. De um tipo de trabalho para outro. Podem abdicar de alguma coisa, é difícil, mas elas dizem “Eu sou assim!”. E ao dizer “Eu sou assim” é a mesma coisa que dizer “Eu não sou livre”. Eu estou preso pela minha marca cármica.
Eu compreendo muito bem isso, porque durante quarenta anos estive no mundo corporativo, fui executivo, fui consultor de empresas, fui diretor de empresas durante muito tempo. Então, quando pensei em ser monge, era uma maneira de escapar do aprisionamento que eu tinha construído. Mas, ao ver as roupas de monge, senti como se estivesse diante de um grande perigo, que era a destruição de tudo que tinha construído até então. E hoje vejo que, na realidade, eu destruí. Destruí minha identidade anterior. Destruí a imagem que eu tinha como executivo e me tornei outra pessoa, um monge zen. Levou anos nesse processo de transição, mas foi um processo que me abriu uma enorme liberdade.
Tomar essa decisão, fazer esse tipo de coisa, implica em você fazer uma outra escolha, uma escolha que parece impossível dentro do mundo no qual você sempre viveu. Então as pessoas dizem “Eu sou assim!”, como eu dizia “Eu sou um executivo, um homem do mundo corporativo”, como se eu não fosse livre. Na realidade, eu era livre para ser monge, mas era muito difícil me tornar monge. Porque implicava em destruir até meu próprio meio de vida. As marcas, então, são traiçoeiras, e podemos perfeitamente gostar daquilo que nos traz sofrimento. Nós dizemos “É sofrido, mas não consigo sair! É sofrido, mas como vou viver sem isto? É sofrido, mas como vou me libertar de tal encadeamento no qual me meti?”.
Então, se satisfeito está no seu gostar, o homem se sente infeliz e sem rumo. Vedanā então é governado por isso, mas se mostra insuficiente para sua vida. O que nós devemos aprender a respeito deste elo da originação dependente é que, fundamentalmente, nós temos liberdade. E devemos nos perguntar: quem nega a nossa liberdade? E quem nega a nossa liberdade e nos aprisiona através das energias de hábito das próprias marcas cármicas somos nós mesmos.
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Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual no primeiro semestre de 2024.