(…)Uma vez bateram em minha porta duas senhoras, e me disseram o seguinte: “O mundo vai acabar, mas cento e quarenta e quatro mil pessoas vão se salvar na nova Jerusalém! E o senhor tem oportunidade de ser um dos cento e quarenta e quatro mil”. E eu disse a elas: “e os outros?” E elas disseram: “vão ser aniquilados no fogo do enxofre”. Eu disse para elas: “eu sou budista! E para nós budistas, não tem graça todos os outros serem torrados no fogo do enxofre, enquanto nos salvamos”. Para nós, o primeiro objetivo do bodisatva é que os seres são inumeráveis, e faço voto de salvá-los todos, libertá-los todos. Mesmo o pior dos seres, eu vou lá estender a mão para ele, para ajudá-lo.
Isso é uma coisa que a gente tem que entender da nossa postura como praticante. Se alguém vem e faz uma coisa que a gente considera ruim para a Sanga, nós não vamos falar mal. Mesmo que a pessoa fale mal de você, do mestre… Você não pode se importar com isso. E tem que continuar com a mão estendida, sempre dizendo: “venha! Pare com essa bobagem! Pare com isso! Retorne, isso é tolo, não tem sentido!” Essa é a atitude do voto do bodisatva. Estender a mão para todos, mesmo os que pensam que são inimigos. Se estendo a mão para eles, não posso desejar me salvar junto com os santos. Junto com os cento e quarenta e quatro mil escolhidos. Porque, enquanto houver bilhões de pessoas sendo aniquiladas pelo fogo do enxofre, preciso voltar para libertá-los. A aniquilação dos maus não tem sentido para nós budistas.
Aquele enorme afresco de Michelangelo na Capela Sistina, retratando o juízo final, com os maus sendo condenados e julgados para sempre no inferno, não faz sentido para o budismo. Até as anedotas budistas são diferentes. Vocês já ouviram uma anedota de que Buda vai para o inferno? Ele vai para o inferno. E Satanás se queixava: “Assim não dá! Assim, as coisas não funcionam!” E São Pedro pergunta para ele: “o que é que está acontecendo?” E o Satanás responde: “é que Shakyamuni Buda está pregando para os diabos! E os diabos estão ficando bonzinhos! Todo mundo está tratando bem os outros! E isso está acabando com o meu inferno!” Essa é a lógica do budismo: transformar o inferno. (…)
Trecho de palestra proferida pelo Monge Meihô Genshô Sensei, 31/05/2018.
