O Primeiro Elo - Parte 3 | Monge Genshō

O Primeiro Elo - Parte 3 | Monge Genshō

[CONTINUAÇÃO]

Essa ilusão da escolha, que é idêntica à questão das figuras reversíveis, são as escolhas da identidade. Quando você nasceu, poderia ter qualquer nome, mas a sua mãe e seu pai escolheram determinado nome para você. Quando eu pergunto agora, quem é você? Cada um diz “Eu sou tal pessoa” e usa o seu nome. No treinamento do Zen, nós fazemos um esforço para desfazer essas identidades. Pegamos, por exemplo, o Fábio, que está aqui na minha primeira tela, lá de Carnaubal, e digo “Fábio, você não é mais Fábio, agora você é Koshin”. Então, ele coloca o nome dele aqui na tela, Koshin, e coloca seu rakusu. Na Cerimônia do Rakusu, ele não sabia que nome iria receber. Eu escolho um nome e dou para ele o nome de Koshin. À medida que ele coloca o nome na tela, ele carrega no rakusu, ele começa a dizer “Eu sou Koshin” e eu começo a chamá-lo de Koshin-san. À medida que isso acontece, parece que a identidade de Fábio vai se dissolvendo e ele vai assumindo uma nova identidade. A troca de identidade e de nome é útil para mostrar que ela é uma construção. Mas, a tendência é você se identificar com a nova identidade cada vez mais profundamente.

Acontece comigo, eu sou o Monge Genshō agora. Se alguém me chama pelo meu nome original, eu acho estranho, bastante estranho, porque eu não estou mais acostumado a ser chamado por aquele nome original. Então, as identidades são construídas também e têm a mesma solidez das figuras reversíveis: nós as assumimos. E a cada uma destas escolhas na vida, nós abdicamos da nossa liberdade para assumir uma determinada visão. Poderia ser uma visão ou outra, mas eu escolhi uma visão; ao escolher uma visão, eu perdi a liberdade. E essa é a raiz da ignorância: a perda da liberdade é justamente aquilo que fundamenta a ignorância. Você não consegue mais ver as duas coisas ao mesmo tempo, você vê só uma, você fez uma escolha.

Por isso, se todas as pessoas no Oriente Médio dissessem “Nós somos pessoas” e não tivessem mais uma identidade palestina, israelita ou qualquer outra… Nós costumamos olhar aqui do nosso ponto de vista e esquecemos que há múltiplas identidades. Agora mesmo, o Irã e o Paquistão trocaram bombardeios, matando civis, crianças etc. Eles trocaram bombardeios em uma região que é o Baluchistão. O Baluchistão tem uma identidade: eles se acham pessoas do Baluchistão e de uma determinada tribo que fica parte no Irã e parte no Paquistão. Todos são muçulmanos? Sim, todos são muçulmanos. Mas os paquistaneses são sunitas em sua maioria, e os iranianos são xiitas, e cada uma dessas identidades detesta e odeia a outra. A Arábia Saudita é inimiga do Irã porque é sunita; os iranianos são xiitas. Na Síria, brigam os alauítas com sunitas, com xiitas, com os do Estado Islâmico, com o Hezbollah. E assim por diante. À medida que se consolidam identidades e escolhas nessas figuras reversíveis, de que acabamos de falar, a liberdade se perde e se consolida em uma coisa só, e ao ver uma coisa só, não vemos mais a outra.

Por isso, eu insisto na comunidade Daissen que nós não digamos “É homem, é mulher”, “É monge ou é monja”, ou “É negro ou branco”, ou índio, ou “nordestino ou sulista”. Todas essas são identidades que têm a mesma consistência das figuras reversíveis. No momento que faz uma escolha, perdeu a liberdade. Então, eu insisto que nós digamos que somos todos apenas pessoas. Todos os membros da comunidade Daissen são pessoas. Raças, orientação sexual, origem, todas essas coisas não importam, não importam de maneira alguma. Isso fez com que a Daissen tenha uma enorme plêiade de pessoas com os mais diversos talentos e com as mais diversas características, que podem trabalhar em conjunto porque, insisto, o olho que vê diferença cria divisão. E nós temos que manter a nossa liberdade na frente das nossas escolhas, que elas são por natureza como as figuras reversíveis. Se nós tivermos a nossa liberdade, então escapamos da ignorância, porque o que é Avidyā? A ignorância que fundamenta o início da originação dependente é uma escolha determinada e a perda de uma liberdade.

[CONTINUA]


Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual em dia 20 de janeiro de 2024.