O Nono Elo – Final | Monge Genshō

O Nono Elo – Final | Monge Genshō

[CONTINUAÇÃO]

Nós, zen-budistas, devemos prestar atenção nesse elo que surge da ignorância, lembrando que a ignorância é o primeiro elo. Viemos estudando os elos um a um, e agora chegamos ao congelamento das visões, que faz com que congelemos um determinado mundo e acreditemos que aquele é o mundo real. Na verdade, nenhuma das visões congeladas expressa o mundo real. A única coisa que podemos ver é a mudança, e devemos estar lúcidos e preparados para enfrentar as mudanças que ocorrem em nossas vidas, assim como na sociedade.

Se tivermos esse tipo de visão, podemos nos adaptar mais rapidamente às mudanças, sem ficarmos presos a ideias passadas que se congelaram em nossas mentes, geradas pela ignorância desde o início, dando origem a cada um desses passos, escolhas e ânsias. Agora, como vimos, ocorre o congelamento da visão, que cria um determinado universo diante de nós—um universo que imaginamos e acreditamos ser real. Devemos olhar para ele com dúvida: Será que minha visão é realmente a visão da realidade? Ou ela é simplesmente o congelamento provocado pelas minhas escolhas anteriores, pela minha ignorância, pela minha falta de percepção de como as coisas realmente são?

Pergunta: Essa necessidade de congelarmos as visões estaria ligada a uma falsa sensação de segurança? Em edificarmos nosso ego querendo ter certezas absolutas?

Genshō Sensei: É uma boa pergunta, porque realmente acontece que congelamos visões por verdadeira preguiça de enxergar o mundo em permanente mudança. Ele está mudando sempre. Imagine se você estivesse com um machado de pedra numa tribo primitiva e alguém chegasse com um machado de metal. Você imediatamente perceberia que seria um instrumento mais eficiente, mas aí surgiriam as dúvidas “Como vamos adquirir um machado de metal?”, “Como se faz um machado de metal?”, “Como se produz metal?”. Eu não sei isso; sou dependente de outras pessoas que saibam. Vou perder minha liberdade, pois consigo fazer meu machado de pedra, mas não sei fazer um machado de cobre… Então, tememos a mudança porque ela abala nossa segurança. E nossa segurança depende de um mundo que conhecemos. Mas se admitirmos que o mundo está em permanente mudança, como a impermanência nos ensina no Budismo, estaremos preparados para sempre mudar nossa perspectiva. É necessário ter uma mente aberta para mudanças de perspectivas, senão ficamos prisioneiros das situações que já conhecemos.

Pergunta: Como devemos reconhecer os ensinamentos do passado que não mudam ou que devem permanecer em sua essência, como o Dharma?

Genshō Sensei: Bem, existem princípios que não mudam, como o caso da impermanência, que acabei de mencionar. Esse também é o caso do Dharma. Mas devemos prestar atenção: o Dharma também não é estático. O Budismo, na realidade, é uma obra contínua de aperfeiçoamento pelos mestres através dos tempos. Por isso existem mestres e novos textos. Se o que Buddha ensinou estivesse congelado, teríamos uma espécie de escritura fixa: foi isso que ele disse e ponto final.

Uma vez, um fundamentalista budista me disse que a sede da consciência era o coração porque isso estava escrito no sutra, o que é um erro factual. Também pode surgir alguém afirmando que os elementos são água, terra, fogo e ar, o que não é mais verdade. Temos a tabela periódica dos elementos desde o século XIX.

O Dharma permite aperfeiçoamento, e por isso existem os Sutras Mahāyāna, o Prajñāpāramitā e mestres do passado como Dōgen e Nāgārjuna, que foram aperfeiçoando e aprofundando as ideias do próprio Budismo. O Budismo é uma construção contínua e uma adaptação constante aos tempos, como é agora a Daissen. Não estamos imitando ao pé da letra o que acontecia na tradição oriental antiga. Ela foi feita e sincretizada com crenças locais porque era necessário para o povo daquela época. Mas agora, aqui, não precisamos disso. Agora, precisamos do Dharma, da prática do zazen, que é a prática que Dōgen levou para o Japão por volta do ano 1230. Estamos retornando a uma prática mais fundamental, porque não precisamos carregar superstições culturais só porque são tradicionais. Não é isso. O Budismo também é algo em evolução, e por isso pode se adaptar aos novos tempos. Não é uma crença congelada em uma escritura do passado.


Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual em abril de 2024.