Pergunta – Mas por que a gente faz isso, se é nossa natureza, por que fazemos isso…a gente vê os pássaros, estão ali, simplesmente sendo, parecem tão livres, tão felizes em harmonia…
Monge Genshô – É que eles não conhecem a ilusão.
Pergunta – E quando começamos a fazer isso?
Monge Genshô – Quando começamos a ter consciência de nós mesmos. Quando dissemos “eu sou”. Saikawa Roshi diz, “Os pássaros são verdadeiramente pássaros, os peixes são verdadeiramente peixes, somente os homens não são verdadeiramente homens”.
Pergunta – Talvez a grande pergunta seja, “o que foi a maçã?”. Quando o homem decidiu, “não quero mais viver no paraíso”.
Monge Genshô – Esse mito que está na Bíblia é esclarecedor. A Bíblia não fala numa maçã, na verdade o Gênesis fala da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Se formos traduzir para palavras budistas diríamos que o homem tomou do fruto do pensamento e dividiu o mundo em pedaços com sua mente dual, colocou de um lado o bem e outro o mal, tomou conhecimento da dualidade, você aí e eu aqui, certo e errado, o pecado e a virtude e quando fez isso se perdeu e foi expulso do paraíso, na porta um anjo com uma espada flamejante para que não pudesse retornar.
Por algum motivo, no rumo da história, transformaram popularmente isso numa desobediência ou num fruto prazeroso. Mas o que está escrito no Gênesis é a Árvore da Ciência do Bem e do Mal e a serpente que antigamente era considerada um símbolo da sabedoria diz à Eva, “se tomardes desse fruto, sereis como os Deuses”, virou então um símbolo do demônio. Os Deuses na mitologia budista também estão perdidos, também acreditam no bem e no mal, também acreditam no prazer, no nascimento e na morte, também estão perdidos. Na mitologia budista os Deuses vivem muito, tem vida muito prazerosa, porem grande dificuldade em ouvir o Dharma. Por isso também envelhecem e morrem, decaem e nascem como homens, Deuses caídos.
Pergunta – essa tentação porque passou Eva, pode ser comparada às filhas de Mara?
Monge Genshô – Os mitos não são verdades, os mitos são metáforas. Mara e suas filhas representam os desejos que nos chamam, as tentações. Aqueles que levam as pessoas para a festa. O que leva as pessoas para as festas? A sensualidade, desejos de sensações, embriaguez, os prazeres, o esquecimento. As filhas de Mara representam isso, as tentações. Quando Buda está para se iluminar, as filhas de Mara vem até ele, na realidade esse mito significa o que? Que você senta para meditar na busca de esclarecimento, de clareza de escapar do sofrimento. Daí apresentam-se para você os desejos sensuais, o desejo de conforto, desejo de ir pra cama e esticar as pernas, de comer melhor, todas essas coisas são as filhas de Mara. O mergulho na sensualidade leva a perda da clareza, esse é um problema básico, por que para distanciar-se disso você precisa distanciar-se de si mesmo, de seu próprio corpo, por isso os monges no começo eram convidados a meditar em cemitérios para verem os corpos se decomporem. Dessa forma ter mais clareza do que era vida, os monges não podiam ter companheiras, casar, ter filhos, casas, posses, nem guardar comida para o dia seguinte, era uma tentativa radical de distanciar o homem de seu próprio corpo.
Tentamos fazer isso no sesshin, comer pouco, dormir pouco, nenhum prazer sensual, mas temos ainda muito conforto. Pode parecer que não, mas é muito conforto. As vezes as pessoas perguntam, “por que no tempo de Buda tantos se iluminavam?” É só olhar o treinamento que eles tinham. Não é de se admirar que a iluminação fosse mais frequente. Nosso desafio é maior, porque na prática somos todos leigos, não somos como os monges do tempo de Buda. Não somos como Mahakasyapa que nunca se deitava para dormir. Vivemos vidas confortáveis, é muito mais difícil. Por outro lado ficamos pensando nisso “É difícil demais despertar e escapar dessa roda com essa vida que levamos”. Mesmo assim é possível.