Gautama Buddha foi um líder, por assim dizer, espiritual muito sui generis, mesmo na índia, no seu período. Gautama Buddha, ele não ensinou sobre divino, espírito, não ensinou sobre fenômenos sobrenaturais, ou quaisquer tipos de ensinamentos místicos. Gautama Buddha ensinou a sua vida para ensinar um simples fato: Tudo está na nossa mente. Esse tudo é representado pela construção de conceitos, ideias, idiossincrasias, comportamentos e, finalmente, personalidades, de uma identidade pessoal. Um Eu.
O Buddha procurou demonstrar que o fundamento da miséria humana está em nossa incapacidade de compreender profundamente a nossa verdadeira natureza. E ao falhar em fazer isso, nós, seres humanos, ficamos presos a uma ditadura, a ditadura do nosso eu. A partir desse processo distorcido, em que nós interpretamos a nossa identidade como um elemento que define a realidade da vida, ideologias surgem, fanatismos surgem, conflitos, desavenças, miséria, cobiça, ódios, delusões.
O que o Buddha procurou ensinar parece uma simplificação muito boba, considerando a complexidade da civilização humana. Eu ainda tenho muito a aprender, mas nos meus 44 anos de prática zen, eu sempre procurei observar, na história, na política, nas religiões, alguma coisa que eu conseguisse perceber que quebrasse essa afirmação do Buddha. Eu não consegui. Tudo sempre se resume ao Eu e ao Egoísmo. Ufanismos patrióticos, guerras políticas, disputas de visões sociais, e no meio disso tudo, a massa humana sendo levada para cá, para lá, e sofrendo, sofrendo, sofrendo.
Buddha dedicou a sua vida a ensinar um meio através do qual nós conseguimos sair da ditadura do Eu, e compreendemos a vida com uma clareza maravilhosa. E é isso que nós praticamos, é isso o que eu ensino, todos os mestres zen sempre ensinaram. Nós não ensinamos misticismos, não ensinamos esoterismos, o que nós ensinamos é que nós somos insatisfeitos, nós sofremos do vício de uma interpretação constantemente egocêntrica da nossa vida. E sofremos por isso, fazemos outras pessoas sofrerem por isso.
A prática zen é um treinamento longo, sensível, cuidadoso, de forma a descondicionar a nossa forma de perceber o mundo. Nós des-condicionamos a nossa forma de perceber o mundo aprendendo a descondicionar o nosso eu, compreender a verdadeira natureza desse eu, a sua relatividade, e finalmente realizar que nós não estamos no controle. Não existe controle. A vida é um fluxo, e ela se manifesta apenas aqui-e-agora.
O Buddha ensinou um caminho em direção ao acordar: Porque nós estamos sonhando. Tudo parece muito concreto, as nossas opiniões parecem muito ponderadas, as nossas ideias parecem bastante balanceadas, mas de fato, nós baseamos tudo o que nós somos em uma mera identidade pessoal.
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Teishō proferido por Kōmyō Sensei no dia 6 de maio de 2023 na sangha do Rio de Janeiro.