A chave do castelo
Dentro de mim construí um castelo.
Ali, tenho tudo de bom, tenho tudo de belo.
Nele vibro a um pensamento
todos os acordes de música divina.
A um desejo, sinto todos os sabores
e a um olhar posso conquistar rindo
todos os amores.
Minha pele, contato eterno com o universo infindo,
sente texturas da vida que é, da que foi, da que está vindo.
Os versos mais lindos não se rebelam a meu comando;
sou incansável rei da inspiração
(mas, confesso baixinho:
brincar de ser escravo da musa não me cansa
a inspiração me torna assim,
criança…).
Não, não me perguntes
a cor de torres, muros e telhados,
nem batalhões de guardas
e de fiéis criados,
vastidão de meus domínios,
fundas arcas,
a derramar pelo chão ouro, pedras, prataria,
que relampejam à incerta luz da lamparina,
e entorpecem de cobiça a quem as vê à luz do dia.
Não, essa ilusão que aos homens perde
e que os leva a sofrer angústia e medos
custa pouco para mim e a crio sempre
a um estalar de dedos.
A moeda é outra aqui.
Entrar em meu castelo
percorrer meus domínios,
pisar a maciez de nuvens destas ruas,
contemplar as mil cores de meus arco-iris,
suspirar ao som de acordes musicais
ainda não ouvidos,
vibrar no corpo todo, sensações alucinadas,
como beijos de anjos desafiando os sentidos,
sentir-se irmão da pedra,
filho das nuvens,
pai e mãe das flores,
parceiro de animais,
sabor de manga,
água corrente,
calor da terra,
ser tudo, estar em todos.
Confundir o tempo. Fundir-se à eternidade.
Ah, fruir estes tesouros do castelo!
É preciso ter chave,
e essa chave é ser belo.
Desumanizado
para ser e entender a essência humana.
Entregar-se à vida.
É preciso ser chave.
Para entrar em meu castelo.
Ivo Cardoso (Editor do Jornal Vida Integral)