O Caminho do Meio | Monge Kōmyō

O Caminho do Meio | Monge Kōmyō

Na última terça feira, na tutoria do Daissen Virtual, eu ensinei sobre o Caminho do Meio. O chamado “Caminho do Meio” é um elemento importante nos ensinamentos de Buddha, porque ele corresponde a chamada “Quarta Nobre Verdade”, que o Buddha ensinou logo após ele ter atingido o esclarecimento pleno. O Caminho do Meio é também chamado de Caminho Óctuplo, porque, como Buddha ensinou, para obter esse Caminho do Meio torna-se necessário que oito aspectos de nossa mente e de nosso corpo possam ser equilibrados. Como toda prática associada à experiência contemplativa, o esforço para se harmonizar os Oito Elementos do Caminho do Meio é um esforço árduo. Exige, como tudo na prática contemplativa, o comprometimento, a paciência, etc.

Eu procuro ensinar o Caminho do Meio a partir de grupos. Ainda que os Oito Elementos do Caminho do Meio não sejam como uma escada, em que você faz um, depois faz outro, é um processo que trabalha concomitantemente. Mas existem dentro do Caminho do Meio elementos que se agrupam. Então nós temos a compreensão correta. Quando nós atingimos a capacidade de compreender a nós mesmos e as coisas à nossa volta de maneira sábia e clara, surge o segundo elemento do Caminho Óctuplo, que é o pensamento correto. Quando compreensão e pensamento se harmonizam, se equilibram, a fala, a nossa forma de expressão, se torna correta, que é o quarto elemento do Caminho Óctuplo.

Fala significa o modo como nós nos expressamos na vida. Como nós conversamos com as pessoas, as palavras que nós dizemos. Quando esse trinômio trabalha junto, a nossa forma de pensamento, a nossa forma de expressão e fala, e a nossa maneira de compreender se equivale. Nós nos tornamos pessoas que não ofendemos, que não dizemos coisas que nós sabemos que não são corretas, nós observamos, procuramos compreender, ter cuidado. Nós vivemos um período que é um grande exemplo de tudo que não tem relação com a compreensão correta, com o pensamento correto e a expressão correta. Os exemplos mais óbvios, mais claros, é o processo intenso de transmissão de informações na internet, quando pessoas pegam uma informação, não procuram saber se é uma informação correta, não procuram compreender corretamente os motivos daquela informação, simplesmente absorvem e passam. Isso às vezes causa muito mal. São informações mentirosas, são informações distorcidas, isso pode causar grande sofrimento.

A base para se começar a equilibrar compreensão, pensamento e fala está na compaixão. A capacidade de compreender se liga diretamente a capacidade que todos nós precisamos ter de ter a compaixão para esperar, ter cuidado e investigar melhor. Isso começa conosco, compreender melhor quem nós somos. Nenhum de nós é perfeito, todos, todos aqui compartilham o que toda a humanidade compartilha. Erros e acertos. A prática Zen não é uma prática de julgamentos ou recriminações, mas é uma prática de honestidade interior. Para que nós possamos compreender melhor a nós mesmos, nós precisamos ser muito honestos conosco, porque nós nos enganamos todo tempo. Nós nos iludimos todo o tempo. E a prática zazen ajuda com que nós possamos lidar com esses aspectos em nós mesmos que procuram evitar que nós saibamos a nossa própria verdade. Esse é um trabalho do Eu, o Eu distorcido, o Eu não saudável. O Eu, ele constantemente cria ilusões sobre si mesmo, interpretações sobre a vida. E essas ilusões e interpretações frequentemente se provam fonte de frustração.

Porque o que o nosso Eu acha que nós somos e a vida é não é quem realmente nós somos e o que realmente a vida é. Nem a nossa verdadeira natureza, nem a verdadeira realidade da vida, se baseia em opiniões egoístas. Isso é apenas uma opinião. A opinião de uma pessoa, em todo o universo. E no entanto o nosso Eu, muitas vezes, tem muita certeza. “Não! É isso, é isso mesmo”. Não há certezas. O que existe realmente na vida é compreensão, entendimento. A vida é impermanente. E ainda que nós tenhamos todo o direito de planejar e organizar a nossa vida, a ideia de que a vida vai agir como nós achamos que a vida seja é errada. Justamente por isso, nós dizemos o que o Buddha ensinou na sua primeira nobre verdade, nós somos insatisfeitos. Nós criamos, fazemos construções, e a vida em sua impermanência vem e frustra todas as nossas construções. E nós nos tornamos insatisfeitos.

Esse primeiro grupo do Caminho Óctuplo é fundamental, porque é através dele que a nossa mente vai ser capaz de enxergar com clareza, atingir o esclarecimento. Compreensão, pensamento, fala. Compreensão, pensamento, expressão. A forma de se trabalhar o nosso equilíbrio interior passa por esse primeiro grupo. A nossa prática, e tudo o que eu sempre falo aqui, tem como objetivo levar esses três a um grande processo de transformação e cura. Curar a forma como nós compreendemos a vida e a nós mesmos, curar a forma como nós pensamos a vida e a nós mesmos, curar a forma como nós expressamos a vida e expressamos nós mesmos. Essa é a base. E a nossa prática se inicia aqui. A nossa prática do Caminho do Meio se inicia aqui.

Nas próximas reuniões eu continuarei falando sobre os outros aspectos do Caminho.


Palestra proferida por Kōmyō Sensei no Daissen Niterói em 19 de maio de 2023.