(continuação)
Monge Kômyô: O treinamento também propõe que, à medida que nós conseguirmos, através da prática, reconhecer, clarificar melhor as nossas energias de hábito, esse composto que nós chamamos “eu”, nós partimos para compreender a nós mesmos. Compreender as raízes de nossos hábitos. Saber perceber em nós mesmos as energias de hábito que são saudáveis e saber detectar as energias de hábito que não são saudáveis. E sobre os aspectos não saudáveis, nós fazemos uma investigação para encontrar a origem daquilo. E aí caímos no terceiro passo: transformação. Somente iremos conseguir transformar a nós mesmos a partir do momento em que tivermos uma visão bem clara dos fundamentos dos nossos comportamentos, das nossas ideias, das nossas opiniões, das nossas atitudes, da caracterização e do estabelecimento das energias não saudáveis.
Graças a essa clareza, essa energia de consciência que permite essa clareza, nós vamos começar um processo de transformação. A própria experiência de perceber com clareza as raízes dos hábitos em nossa mente já promove naturalmente um mecanismo de transformação. As raízes dos hábitos não saudáveis em nosso comportamento se estabelecem e até se aprofundam porque nós não temos consciência desse fundamento. Eu sou ciumento e o meu ciúme eu sei que acontece porque minha namorada passeia e os homens ficam olhando. Eu estou usando aqui uma referência masculina, mas o ciúme se estabelece de várias formas. Mas de fato não é isso. Não é a namorada, ou como ela se veste, ou circunstâncias externas que realmente fazem surgir as energias não saudáveis. São aspectos profundamente arraigados em nossa natureza que dão margem à possibilidade de, através de um estímulo externo, essa semente, surgir na superfície da consciência e se estabelecer. O trabalho investigativo da contemplação é saber reconhecer isso. Não é tentar mudar de namorada, ou reprimir a pessoa com quem você se relaciona, ou bater nas pessoas de quem você tem ciúme. Nenhuma ação externa vai realmente levar à transformação e ao quarto passo que é a cura – ao fim do domínio dessa energia não saudável na nossa mente.
Eu acho que dá para perceber por todos, não é uma tarefa de um dia. Ela exige um empenho e um compromisso de uma vida inteira. Eu comentei que eu pratico, procuro praticar há muitos anos, muitas décadas. E ainda, sim… tive grandes experiências. A minha experiência é a minha experiência. Outros monges, outros praticantes terão experiências próprias, com características próprias. Eu falo aqui para vocês sobre a minha experiência. E grande parte das minhas aprendizagens na vida não foram devido aos meus acertos, mas ao contrário, foram devido aos meus erros. Numa palestra lá em Niterói, com Genshô Sensei, um rapaz perguntou para ele como poderia fazer para praticar. Ele falava: “A minha vida é muito difícil. Eu tenho muitos problemas, muitas dificuldades. Eu me sinto assim com grande dificuldade de estabelecer a prática.” E Genshô Sensei, do jeito dele, olhou para o rapaz e falou: “Olha, eu faço votos que você continue sofrendo muito, sofra até mais.” Quem ouve assim pensa: “Nossa, essa história de Zen é muito deprimente. Querer que uma pessoa sofra.” É preciso compreender bem o ensinamento. Ao contrário do que se pensa, o budismo, os ensinamentos de Buda, são extremamente positivos e vivos. O que o Buda procurou demonstrar é: não finja que você não sofre. Todos nós sofremos, passamos por dificuldades. O elemento é: aprenda através da sua experiência. Não tente encontrar algum mecanismo para disfarçar os seus erros, a sua relatividade. Aceite. Observe. Não se recrimine. O budismo não é uma questão de culpa. Apenas de responsabilidade. Há um aspecto no budismo que se chama honestidade interior. Se nós cometemos um erro, ao invés de ficar dizendo: “não, não, não fui eu não. Foi aquilo ali, ou aquilo lá, ou aquele outro que, por acaso levou a isso e eu fiz…” Não arranje um bode expiatório. Observe o erro. Respire. Procure compreender a sua parcela de responsabilidade no erro, nas relações humanas, nas relações com a família, relações afetivas. Nós temos situações em que é exigido de nós um empenho mais intenso. E às vezes a pessoa de quem a gente gosta nos magoa. (continua)