Foto de Mauricio Hondaku |
Pergunta: Estamos falando do Zen japonês, não?
Monge Genshô: Sim. Nós estamos falando em Zen, e Zen é uma a palavra japonesa. Existe zen em outros países mas com nomes locais, Ch’an, Son, Thien. Mas isso, em relação a casamento só acontece no Japão porque, em 1872, houve um édito imperial que ordenou aos monges budistas de todas as ordens que casassem. Na realidade, a intenção do império japonês era enfraquecer o budismo, para fortalecer o Xintoísmo, que era uma religião nacional. Era um movimento nacionalista e militarista do Japão, que acabou redundando primeiro em vitórias como a que houve contra a Rússia, por exemplo, em 1905, na guerra russo-japonesa. Depois, na invasão da China, na Manchúria, e acabou culminando na sua aventura militar contra os Estados Unidos. Tornaram-se aliados do eixo, da Itália e da Alemanha, na 2ª Guerra Mundial, e acabaram com uma derrota fragorosa.
Antes deste período, durante 250 anos o Japão ficou isolado, pacífico. Não empreendeu nenhuma guerra, não se militarizou, não invadiu ninguém. Foi um grande período de prestígio do Zen, porque ele estava sob o governo de samurais, do Xogum. Embora eles fossem guerreiros, eles estavam impregnados da filosofia do Zen. E isso redundou num imenso pacifismo e num treinamento de toda a população japonesa num outro padrão de educação, porque o Japão estava longe de ter a educação que tem hoje, no período anterior. Antes desse período ele viveu guerras civis violentas, assaltantes nas estradas, roubos, era um país em convulsão constante. A unificação do Japão ocorre por volta de 1600 e inicia esse período, que é o período “Tokugawa” – período de domínio dos Xogum. Depois de 1868, vocês viram que o edito ordenando aos monges para que se casassem, de 1872, era uma tentativa de desmoralizar a instituição monástica budista, perante a população. Na verdade, é um desses tiros pela culatra. Não deu muito certo. É como se hoje o Papa resolvesse reformar o celibato católico e dissesse aos padres que poderiam se casar. Talvez nós tivéssemos uma grande revolução no catolicismo, através do surgimento de muitas vocações religiosas, não é? E, talvez isso, em vez de ser uma fraqueza, como aconteceu com o Zen, acabasse sendo uma fortaleza. Poderia acontecer.
Na realidade, houve uma tentativa de desprestígio do budismo, através dessa ordem para os monges. Mas, agora nós temos aqui exemplos. Eu sou casado, o monge Tokushi é casado, o postulante a monge Daitetsu San é casado. E aí o florescimento fica mais fácil, bem mais fácil. Essa é uma consideração, vamos dizer assim, organizacional. Mas, também mostra um fato, que eu estou repetindo sempre, de que o budismo é vivo. Ele não é uma coisa morta, congelada em ensinamentos de 2600 anos atrás. Sempre que alguém vem e me diz assim, “ah, os quatro elementos, o ar, a terra, a água, o fogo, não é… e a vacuidade…” Quando alguém diz isso, eu sempre penso: “isso ainda é atraso no budismo”. Porque nós já passamos há muito tempo desse tipo de concepção do universo. Pode ter uma vantagem simbólica para narrações, um sentido alquímico, mas nós temos a tabela periódica dos elementos, hoje. Podemos achar outras imagens. Eu nunca uso esse tipo de teoria de dois milênios atrás como forma de ensinar, porque acho que, na realidade, não ajuda mais. Não adianta nós falarmos em astrologia, ou alquimia, ou coisas assim. Isso não ajuda. É melhor nós olharmos o conhecimento moderno e adaptarmos ao budismo. E o budismo está vivo o suficiente para lidar com tudo.