No Espelho da Morte

No Espelho da Morte

No Espelho da Morte
Sogyal Rinpoche
(Trecho)
“APRENDA A MORRER E APRENDERÁS A VIVER. Ninguém aprenderá a viver se não tenha aprendido a morrer.” Estas palavras, escritas centenas de anos atrás no antigo Livro da Arte de Morrer, vêm a minha mente frequentemente quando penso sobre nossa compreensão da morte e de seus relacionamentos com a vida. Se apenas pudermos aprender a como encarar a morte, então teremos aprendido a lição mais importante da vida: como encararmos a nós mesmos, e assim nos resolvermos com nós mesmos no sentido mais profundo possível, como seres humanos.
Nesta era moderna, não olhamos para a vida e a morte como um todo.
Como resultado, ficamos muito apegados a esta vida, e rejeitamos e negamos a morte. A morte torna-se nosso pior medo, a última coisa que queremos encarar. Frequentemente digo às pessoas, “se você está preocupado com a morte, não se preocupe; todos nós morreremos, nisso com certeza seremos bem sucedidos.” Então por que tememos tanto a morte? Por trás de nosso medo de morrermos há um medo de olharmos bem para nós mesmos, porque o momento da morte é o momento da verdade. De fato, a morte é como um espelho no qual o verdadeiro sentido da vida se reflete.
Infelizmente, na vida moderna as pessoas vêem a morte como um tipo de perda ou derrota. Porém, de um ponto de vista espiritual, a morte não é uma tragédia a ser temida, mas uma oportunidade para transformação.
A morte é nossa maior professora. Ela nos desperta de forma que não nos tornemos desleixados, preguiçosos ou ingênuos. O problema conosco é que mesmo que saibamos que morreremos um dia, porque não sabemos quando ou como acontecerá, pensamos que temos usufruto ilimitado da vida, e então procrastinamos.
Lembro de falar sobre isso com um de meus professores, Dilgo Khyentse Rinpoche, um dos maiores professores das últimas décadas e um dos professores de Sua Santidade o Dalai Lama. Ele veio ao ocidente algumas vezes durante a segunda metade de sua vida, e em uma dessas visitas perguntei a ele o que ele percebia em particular com relação aos ocidentais. Ele respondeu, “Bem, eles têm um interesse enorme nos
ensinamentos, mas desperdiçam tanto tempo!” Fiquei surpreso e
perguntei a ele, “Como o senhor pode dizer que eles perdem tempo?
Estão sempre tão ocupados.” Ele me respondeu que era exatamente porque estamos sempre tão ocupados que perdemos tempo, porque esquecemos a coisa mais importante – a morte – e a vida também, por conseqüência.
A preguiça tem muitas formas diversas. No mundo moderno, a mais praticada é a “preguiça ativa”. Mantemos-nos tão ocupados que não temos tempo para pensar ou cuidar das coisas mais importantes. E assim iludimos a nós mesmos. Como se diz, “A mente é criativa nos jogos da ilusão”.
A morte, por outro lado, nos mostra que acabou a brincadeira.
Resolver-se com a morte então é de fato resolver-se com a vida. Ainda assim parece que, muito frequentemente, só começamos a pensar sobre a morte logo antes de morrermos. Mas não é um pouco tarde demais? Os ensinamentos nos mostram que deveríamos nos preparar para a morte agora, quando estamos bem e num estado mental feliz. É em particular nos momentos em que somos naturalmente levados à introspecção que começamos a ver a vida e a morte de uma forma mais inspirada e profunda.