Pergunta: Porque que o círculo do Zen, aquele símbolo, não fecha?
Monge Genshô: Pois é. Porque que o “ensô” às vezes não fecha? Porque ele tem uma abertura, ele tem uma liberdade, também. Tudo está contido, mas também não está limitado. Então, tem muitas coisas para nós olharmos nisso.
Pergunta: Monge, quando as pessoas acordam, fisiologicamente, nem todas acordam de uma vez. Eu por exemplo sou preguiçoso, acordo, durmo de novo, acordo…o despertar pode ser assim também? Num dado momento, perde-se a carteira…eu posso falar assim: “eu posso perder a carteira”. E num outro momento, eu desesperar pela perda da carteira?
Monge Genshô: Pode. Tanto nós podemos crescer, evoluir, ter clareza, como podemos ter momentos de obscuridade. Isso acontece com todos os praticantes. Então, o primeiro estágio, na realidade, de realização espiritual é a compreensão, “Ah, eu compreendi, claramente, que é um jogo. Eu sei que tem que resolver, mas ainda assim, eu caio nas emoções. Eu sei que é bobagem, eu sei que é orgulho meu, eu sei que é vaidade ou qualquer coisa assim, e aí alguém diz alguma coisa que me incomoda e eu reajo.” Depois eu digo: “Como? Como, se eu sei que esse é um sentimento tão tolo? Como é que eu reajo assim? Como minha prática é ruim”! É o que você pensa. Mas, na realidade, o seu professor diz: “Ah, você vai muito bem! Você entendeu isso! Você está entendendo”. E continua tropeçando. Continua errando. Isso é bem característico do quarto passo, no caminho do texto dos “dez passos do boi”. Essa é a decepção do praticante consigo mesmo. Isso dura até o sexto passo.
Agora, quando você chegar a um ponto em que realmente os acontecimentos que fariam você se perturbar não chegam mais a balançar você, então ocorreu um grande progresso. E existem níveis mais altos ainda. Existem níveis de realização espiritual em que você vê na pessoa, nos pequenos gestos da pessoa, sua realização espiritual. Como anda, como come, como fala. Está tudo ali. Alguns praticantes se encantam com o lado da forma no Zen. É bem característico também nos monges, não são diferentes de praticantes leigos. Apenas fizeram votos a mais. Só isso. Não são seres extraordinários.
Mas há alguns que, como falta alguma coisa a nível de realização espiritual, passam a se concentrar na forma, porque a forma é mais fácil. Acenda a vela assim, ande desta forma, olhe assim, faça esse gesto desta maneira, etc. Então, tornam-se especialistas na forma, porque falta algo mais. Não conseguem fazer outra coisa, então a forma torna-se tudo. O que é preciso, na verdade, é um equilíbrio. A forma mostra muita coisa, mas o excesso da forma mostra outra coisa. A frase que eu mais ouvi de Saikawa Roshi, no início, quando eu estava praticando com ele e fazia coisas erradas e, depois, chegava para ele e dizia assim: “Mestre, eu queria lhe pedir desculpas pelos meus erros”. Ele olhava para mim, ria e dizia: “Não tem importância”. E não tem mesmo importância. Eu ouvi tantas vezes “não tem importância”, que adotei o “não tem importância”. Então, eu sempre digo para vocês, “ah, não tem importância, a gente corrige, não tem importância”.
Tenho dez erros. Quantos a gente corrige? Corrige dois. Não corrija mais. Não corrija muito, porque se corrigir muito, a forma vai esconder a verdade. Você tem que deixar os alunos errando. Porque quando você olha o erro, você percebe quantas coisas tem naquele erro. Quanto tem? Quanto tem na voz, quando está recitando? Porque? Como é cada detalhe da atitude? Se você corrige tudo, haverá um disfarce. Você diz: “Ah, os alunos devem andar sempre em shashu dentro da sala de Buda. Aí você dá a instrução, depois, você observa. De vez em quando, alguém esquece e anda balançando os braços. Aí, você não diz nada. Porque isso é um excelente termômetro. Se você disser muito, você não vai ver mais. Porque debaixo da casca da forma, vai estar ainda fervendo a distração. A mente turbulenta vai estar lá. Não vai estar manifestada, porque ficou muito bem escondida, através de uma forma muito treinada, muito policiada. Nós temos que ter essa visão de caminho do meio nestas questões.