Aluno – Tendo como referência a abundância derivada da técnica, aquilo parece satisfazer, mas a busca em muitos campos religiosos tem uma ilusão ali, as divindades, as trocas e benefícios, através de rituais, e o próprio discurso é uma forma de delusão.
Monge Genshô – Eu concordo. Do ponto de vista material nós nunca tivemos um mundo tão abundante realmente, nunca produzimos tanto, nunca fomos tão capazes de produzir tanto tão barato. Muitos não chegam a perceber a revolução que foi isso. Há 300 anos uma roupa era coisa pra se deixar num testamento de herança, porque roupa custava muito caro, a roupa era tecida a mão. À medida que inventamos a imprensa, conseguimos fazer livros rapidamente e os preços dos livros caíram gigantescamente. À medida que fizemos os teares mecânicos caíram imensamente os preços das roupas, então as pessoas agora tem roupa para vestir, facilmente e por preço muito baixo. Então o que nós vemos na história é a queda incrivelmente grande do preço das coisas, e isso significou abundância, essa abundância que nós temos hoje. Qualquer pessoa aqui nessa sala vive melhor do que um rei. Basta chegar nos castelos dos reis na Europa para ver que o simples fato de ter um banheiro com um chuveiro dentro de casa é um luxo que um rei não tinha.
Do ponto de vista espiritual os homens se acostumaram a fazer o seguinte: a transformar os benefícios espirituais num comércio também. Então, os homens tendem a fazer esse tipo de coisa. A grande decadência que pode acontecer no zen, ou que acontece em certos lugares, é quando o zazen é abandonado, porque o zazen é difícil e trabalhoso. Enquanto mantivermos o zazen como centro da nossa prática, aí a nossa prática tem chance, ainda está viva. Quando ela for abandonada em benefício de cerimônia ou de qualquer coisa fácil, então realmente se instaurou uma decadência final da prática espiritual. E isso é a realidade que ameaça o zen, por exemplo. Qualquer dia vai chegar alguém com uma ‘pílula da iluminação’, você toma e está iluminado, não precisa mais sentar em zazen, não precisa mais sentar 10 anos em zazen, você toma a pílula. Quando nós tivermos esse tipo de proposta, que pode surgir facilmente (já foi prevista por exemplo por Aldous Huxley), você toma a pílula e obtém o satori.
Então, o homem tende a procurar o que seja muito fácil, mas não existe caminho fácil para o despertar. Todo o caminho fácil que surgir vai ser uma mentira. No zen também se instaurou fortemente uma corrente de que a prática em si é a iluminação. Você senta em zazen e isso já é a própria iluminação. Isso é torcer um ensinamento de Dogen. O que ele tentou dizer é: a prática é a iluminação no sentido de ‘não busque, simplesmente pratique’, ‘não ambicione’ a iluminação, o despertar, simplesmente pratique. Era isso o que ele estava tentando dizer. Ele não estava tentando dizer que não existe a iluminação, e que apenas praticar já é a iluminação.