Mestre Dôgen | Monge Genshô (Parte 1)

Mestre Dôgen | Monge Genshô (Parte 1)

Nós vamos ter uma palestra hoje sobre Mestre Dōgen, então vamos fazer uma introdução a esse livro “A lua numa gota de orvalho”, que é a primeira edição de escritos do Mestre Dōgen feita com grande esforço por Kazuaki Tanahashi. O título faz referência a um escrito de Mestre Dōgen que diz assim: “O esclarecimento (o despertar) é como a lua refletida na água, a lua não se molha, nem a água se rompe, embora a lua seja vasta e intensa, pode refletir-se até mesmo numa poça de tamanho ínfimo. A lua e o céu estão refletidos sobre as gotas de orvalho sobre a relva ou até mesmo numa gota de água. O esclarecimento não vos divide, assim como a lua não rompe a água. Não podeis impedir o esclarecimento, assim como a gota de água não impede a lua no céu”.

Como podemos ver Dōgen era um verdadeiro poeta e muitos de seus escritos, assim como as traduções, são difíceis de serem entendidos, mas nós temos que nos dar conta que nós estamos lendo um texto que foi escrito no Século XIII. Dōgen nasceu em 1200, em Kyoto, que já era a capital do Japão há 400 anos nessa época. Naquele momento, a refinada aristocracia de Kyoto estava sendo substituída por uma ascendente classe guerreira que estabeleceu um governo feudal em Kamakura e são desse período as mais famosas espadas, então o refinamento cortesão estava sendo substituído pela disciplina samurai.

O budismo japonês tinha se desenvolvido por 600 anos e foi se transformando na passagem dos séculos. Ele tinha atingido um ponto em que preces e cerimônias mágicas eram vendidas para as classes mais altas e monastérios importantes tinham armado os monges que se empenhavam em combates, eram monges soldados. Muitos budistas viam que essas práticas estavam muito distantes do que Shakyamuni Buddha havia ensinado e então a chamaram de época de declínio do Dharma.

Essa questão de “declínio do Dharma” foi predita no tempo de Buddha por três períodos. Um primeiro período em que o despertar estaria presente, os ensinamentos estariam presentes e os rituais, cerimônias que fazem o clima da sangha, estariam presentes. Depois desse período ele seria sucedido por um outro em que a transmissão, a iluminação, o despertar, seriam perdidos, a ideia de despertar teria sido perdida, mas sobrariam os ensinamentos, os textos e as cerimônias da sangha. E este segundo período seria sucedido por um terceiro chamado Mappo, a época de declínio mais absoluto do Dharma, em que os ensinamentos não seriam mais transmitidos, virando letra morta. Sobrariam apenas os aspectos formais de cerimônias sendo vendidas e esse seria o momento de declínio mais absoluto do Dharma. Depois deste período o Dharma desapareceria, porque as pessoas deixariam de acompanhar aquilo que eles viam como apenas cerimônias vazias e em consequência o Dharma ficaria na história. A partir daí seria necessário que surgisse um novo Buddha para fazer renascer o Dharma com a sua pureza original.

Então foi atribuído ao declínio daquela época (por estarem apenas vendendo cerimônias) calamidades, tais como fome, guerra, epidemias e nessa situação desesperadora a crença em um Buddha salvador que prometera conduzir as pessoas à terra pura expandia-se rapidamente. As pessoas acreditavam na ideia de que haveria um bodhisattva que as conduziria ao renascimento numa terra pura onde a prática fosse possível, porque ali não dava mais. Este salvador agiria por invocação, então as pessoas deveriam fazer invocações do nome dele e pedir a salvação, por exemplo recitar um mantra e essa então era a forma de prática que estava sobrevivendo naquele momento de decadência do budismo. (continua…)

Trecho de palestra proferida por Meihô Genshô Sensei, Florianópolis, 2019.