Mente de principiante - Final | Monge Kōmyō

Mente de principiante - Final | Monge Kōmyō

[CONTINUAÇÃO]

A prática é compreender essa natureza (do egoísmo), transformá-la e curá-la. Nós podemos valorizar a nós mesmos, nós podemos ter autoestima, respeitar a nossa natureza e ao nosso corpo sem cair em egoísmo. A mente de principiante é a atitude necessária para se abrir a nossa própria realidade e a realidade da existência. A mente de principiante não resiste, não se engana, não mente para si mesmo. A mente de principiante não tenta interpretar a vida como nós queremos que ela seja. A mente de principiante vê a vida como a vida é. A mente de principiante é capaz de sair hoje daqui, andar na calçada, por acaso olhar para o céu e se maravilhar com uma nuvem, que nem bonita é, mas é apenas uma nuvem. Ou uma pedrinha no chão, ou uma folha numa árvore, coisas que hoje em dia são consideradas banais, sem valor.

Esse é o espírito do Zen. A capacidade de ver, naquilo que parece banal, beleza e aprendizagem. Assim é também quando nós nos sentamos em silêncio virados para a parede. Isso parece chato, banal. Para a mente egóica, para a mente presa ao eu, isso parece passivo demais. E nós vivemos em um mundo ativo. Fazer exercícios físicos é muito bom. Saudável. Mas o que o Zen ensina, um ensinamento difícil para muitas pessoas compreenderem, é que, na nossa vida, precisamos desesperadamente, de vez em quando, parar. Parar. Respirar. Auto-observar. Buscar, nas profundezas de nós mesmos, significado e sentido. Precisamos parar de buscar significado e sentido fora de nós.

Nós buscamos significado e sentido no vestido novo, na roupa nova, no carro novo. Na beleza do nosso rosto, na beleza do nosso corpo. Nós buscamos sentido no que está fora e esquecemos que o sentido fundamental, o significado fundamental em nós mesmos, está dentro (de nós). Semana passada um senhor veio começar comigo, perguntar sobre o Budismo. Porque ele falou que ele achava que estava sendo perseguido por demônios e ele queria encontrar alguma prática para que ele pudesse exorcizar esses demônios.

Eu expliquei para ele que a prática budista é uma prática de liberdade da mente. Quando a nossa mente está livre, nenhum demônio nos prende. Nenhuma maldição. Nós aprendemos a ver a vida com a liberdade fundamental que a vida oferece. A nossa mente não se prende a qualquer coisa. Seja demônios, ou beleza, ou força física.

A vida possui desafios, possui dificuldades, a vida tem momentos que são de superação e de enfrentamento. Mas quanto mais a nossa mente estiver presa a preconcepções baseadas nas ilusões do nosso eu, mais iremos sofrer. Os problemas de nossa vida serão triplicados, porque, além do problema, vai haver a nossa preocupação pelo problema. A insônia devido ao problema.

A mente de principiante é uma virtude e existe uma frase no Zen que diz “Jamais esqueça da mente de principiante!”. Mesmo nós professores precisamos nos lembrar dessa frase constantemente. A prática é um constante processo de autodescoberta. O quanto dessa descoberta nós poderemos obter depende de cada um de vocês, do esforço de cada um, da determinação e da paciência, como eu sempre ensino. De vez em quando se lembrem da mente de principiante. Essa folha em branco. A capacidade de se deixar viver sem preconceitos, sem projeções e expectativas egoístas. Expectativas egoístas nos fazem sofrer muito, porque nós criamos uma ilusão atrás de uma ilusão e esperamos sempre que as coisas aconteçam fora de nós. Lembrem-se: o nosso sentido e significado somente será descoberto dentro de nós. Se na nossa essência e natureza nós não conseguirmos encontrar a sabedoria que nos dê sentido e significado, nada mais vai dar. Nenhuma roupa, nenhum carro, nenhuma profissão. Seremos sempre insaciáveis, procurando esse sentido e jamais encontrando. E isso é muito triste.

Por favor, lembrem-se da mente de principiante.


Palestra proferida por Kōmyō Sensei no Daissen Rio de Janeiro em 1º de abril de 2023.