Reencaminho a mensagem do Rev. Monge Prof. Dr. Joaquim Monteiro.( Shaku Shoshin ) que comenta, apoiado em seus estudos que incluem um doutorado na Universidade de Kumazawa, os textos recentemente postados em listas budistas com críticas as posições de budistas durante a história japonesa.
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From: joaquim monteiro <satyasiddhi@yahoo.com.br>
Date: 29 Nov 2007 23:51
Fiquei ciente hoje de uma série de mensagens que tem sido enviadas a todos e que dizem respeito a uma série de problemas importantes relacionados à história concreta da tradição Soto-shu e aos aspectos normativos do pensamento budista. Não sou membro dessa tradição, mas sendo por um lado um Sacerdote budista de outra tradição e por outro um especialista acadêmico no campo dos estudos budistas sinto-me obrigado a assumir minhas responsabilidades e expressar aqui meu ponto de vista a respeito das questões colocadas.
Introduzindo a questão primeiro sob um prisma bastante geral me parece claro que não existe nenhuma tradição religiosa ou filosófica que não tenha aspectos extremamente problemáticos em sua historicidade concreta. Assim sendo, me parece importante ressaltar que nossa auto-definição como membros de qualquer tradição pressupõe a responsabilidade de tomar consciência dessas contradições e de assumir uma clara responsabilidade a respeito delas. Assumir essas responsabilidades pressupõe a meu ver duas condições: a primeira é que só podemos assumir semelhante responsabilidade a partir do interior de um tradição concreta, a segunda é que para proceder a uma crítica dessa natureza se faz indispensável distinguir claramente os aspectos normativos dessa tradição de sua historicidade concreta.
Falando agora concretamente sob o ponto de vista da tradição budista, os problemas referentes à atuação do Soto-shu durante o período Tokugawa não só são co-extensivos à toda a tradição budista japonesa como também problemas semelhantes são detectáveis em quaisquer outras tradições budistas. A existência desse problemas no Soto-shu não nos autoriza a demonizar essa tradição, mas deve nos convidar a uma reflexão a respeito das causas dessas contradições e dos esforços que tem sido feitos para supera-las.
O texto do Dalai Lama sobre a prática do Budismo no Ocidente coloca algumas questões de importância central no que diz respeito à necessidade de pensar o Budismo a partir de suas bases doutrinárias e normativas. Esse esfôrço não é no entanto uma propriedade exclusiva do Dalai Lama e de sua escola. Se mesmo sendo crítico a respeito da realidade do Budismo japonês permaneci no interior da tradição e resolvi assumir responsabilidade por suas contradições foi devido entre outras coisas aos esforços extremamente honestos e corajosos desenvolvidos pelos budistas japoneses em esclarecer essas questões e em confronta-las sob o ponto de vista normativo do pensamento budista.
Posso colocar aqui como exemplos concretos o esclarecimento das responsabilidades históricas do budismo japonês desenvolvida por Hakugen Ychikawa e o desenvolvimento do “Budismo crítico” pelo Professor Noriaki Hakamaia. Todos esses esforços que exigiram uma alta dose de coragem e lucidez se deram a partir de um ponto de vista interior à tradição e em função de suas bases normativas. Nada disso é possível a meu ver a partir de um ponto de vista externo à tradição e que confunda sua realidade histórica com suas bases normativas. Não tenho a menor dúvida que semelhante postura se aplica à totalidade das tradições budistas sejam elas do Zen, da Terra Pura, do Budismo Tibetano ou qualquer outra.
Me parece extremamente fácil criticar japoneses, tibetanos ou membros de outros povos que viveram muitos séculos ou mesmo muitas décadas atrás. No entanto, o que mais deve nos preocupar é a seguinte questão: estaremos nós dispostos a assumir as contradições de nosso incipiente ” Budismo tupiniquim” e a pensa-las e supera-las em função de uma discussão fundada nas bases do próprio Budismo? Estaremos nós dispostos a pensar e atuar a partir de um ponto de vista interior àquela que pretendemos ser nossa tradição? Estaremos nós dispostos a desenvolver nossa auto-crítica com a mesma coragem e honestidade demonstrada por entre outros os Professores a que me referi acima?
Essa me parece a questão que pode decidir se vai nascer uma verdadeira tradição budista em nosso país ou se o ensinamento de Sáqui-Muni vai se restringir a um artigo de consumo ou curtição fácilmente descartável. Precisamos sem dúvida esclarecer e discutir essas questões, mas jamais de forma emocional, desorganizada ou sensacionalista. O que se faz necessário a meu ver é preparar paulatinamente o terreno para uma discussão sistemática, responsável e fundamentada nas bases da própria tradição.
Sem mais-Gasho.
Joaquim Monteiro.( Shaku Shoshin )