3) As vezes é fácil intelectualmente perceber que eu não sou a onda, que eu sou oceano. Mas o que acontece quando eu sento e faço zazen, porque às vezes eu esqueço que sou o oceano. Se eu perco uma pessoa querida, ou perco um objeto querido, de novo acontecem reações emocionais e eu sofro. É como se eu tivesse esquecido de ter vindo nesta palestra e ter ouvido isso. Os sofrimentos surgem como se eu não tivesse entrado em contato com esse conhecimento. O que acontece no zazen pra eu me tornar um sábio, de forma que este conhecimento se estabilize e eu não esqueça mais?
Isso vai depender da profundidade da sua experiência. Mas o que você narrou agora, é o que todos sentimos, eu também. Quatro meses atrás morreu um sobrinho meu de 23 anos. Repentinamente. Quando eu ouvi a notícia, o que eu podia fazer? Chorar. Nós somos assim, seres humanos, muito frágeis. E a qualquer momento nós perdemos a lucidez. Eu sei que para ele não foi nada, mas para o pai e a mãe, foi muito trágico. É que estamos mergulhados em emoções. Como vamos negar isso? Não seria natural nos tornarmos como pedras.
Vinha um Mestre caminhando por uma cidadezinha e seus discípulos atrás. Havia um velório e a família chorava. Ele entrou no velório e começou a chorar com os familiares. Uma hora depois ele saiu de lá, rosto inchado, os olhos vermelhos. E os discípulos atormentados na porta disseram: “Mestre, mas o Senhor conhecia este homem? Ele disse: Não. Mas então porque o Senhor entrou e chorou desse jeito? Ele disse: Eu os vi tão tristes, me entristeci com eles”.
Outro Mestre recebeu uma carta, comunicando a morte de um ente querido. Ele sentou numa pedra e começou a chorar desconsoladamente. Um discípulo se indignou e foi até lá e disse: “Mas o que é isso, o Senhor nos ensina que tudo é transitório, que os “eus” são ilusões, que todas essas relações da vida são assim, ilusões em que estamos mergulhados, a própria vida. O Senhor ensinou tudo isso, e agora recebe a notícia da morte de um ente querido e está aí chorando desse jeito? O Mestre parou de chorar, se virou pra ele e disse: – Escute aqui, seu idiota, eu estou chorando porque eu quero! Se virou para o outro lado, abriu a carta e voltou a chorar desconsoladamente”.
Ou seja: você é normal. Aí você senta em zazen, começa a meditar e “VÊ” algumas coisas com maior lucidez. Pode sair à rua e ver uma folha, uma flor, e ver sua verdadeira beleza, por um instante. Nós chamamos esse instante de KENSHO. KEN é enxergar. SHO, sua verdadeira natureza. Experiência mística em estado puro. Pode durar segundos, e muitas pessoas já tiveram. A questão é: Você poderia retê-la, e ver as coisas sempre assim? Você poderia ver a si mesmo não como onda ou redemoinho ou bolha, mas como céu azul, champagne, oceano? Se você conseguisse ver permanentemente, eu diria que você é MUITO iluminado. Se você vir algumas vezes por dia, e tiver uma compreensão das coisas, você atingiu a iluminação, em um grau baixo. Então existem muitos graus de despertar.
Aquele grau de Buda é chamado de “Annutara Samyak Sambodhi”. ILUMINAÇÃO PERFEITA, COMPLETA E UNIVERSAL. Mas tradicionalmente nós dizemos que só Buda conseguiu esse nível, nós tentamos chegar perto, passo a passo. Talvez numas 500 vidas dê pra chegar lá. Um estado de permanente despertar em todos os atos e momentos da vida.