Ken - ver, sho - verdadeira natureza

Ken - ver, sho - verdadeira natureza

 (Terceira palestra no sesshin de inverno, Florianópolis, 2014)
Sobre a iluminação, há um bocado de enganos e essa explicação é necessária. A iluminação é mitificada, faz-se dela uma coisa muito extraordinária, enquanto ela é um evento natural da mente. Na verdade, o estado natural é iluminado. Nós é que o perdemos porque não paramos de pensar. Então, quando nós sentamos em zazen, todo mundo vê uma mente que não pára.  Só surgem coisas, surgem coisas sem parar.
Mas o despertar não é muito frequente quando se está fazendo zazen, é mais frequente uma experiência iluminada fora do zazen, em uma caminhada por exemplo. Eu já ouvi mais narrativas de pequenos insights nas caminhadas do que nos zazens. Porque você repentinamente está lá fora, passou tanto tempo em zazen que sua mente ficou realmente vazia e, de repente, você vê realmente o lugar onde está. E  a beleza do lugar pode ser tão grande, de uma pequena coisa, de uma pedra, de uma flor, de um reflexo na água, que essa beleza e a felicidade de estar vendo isso são quase insuportáveis. Este momento é um momento iluminado. A iluminação não é diferente disso. Não são trovoadas, trombetas tocando, anjos chegando. Não são coisas assim.
O que acontece é que você tem essa experiência maravilhosa durante um período muito curto e por isso não é “A” iluminação. Por isso se chama essa experiência de kensho: ver sua verdadeira natureza. “Ken” – ver, “sho” – sua verdadeira natureza. Você viu sua verdadeira natureza, que é inseparável daquele reflexo, daquela pedra, daquela flor, daquele céu. Se você sente essa experiência naquele momento, essa experiência é como um vislumbre do que é a iluminação. A partir daí você sabe: a iluminação é possível. É só ficar assim sempre. Isso seria “Satori”. Realmente ser proprietário da experiência iluminada, de poder, a qualquer momento, chamar esse estado mental. Não é assim tão impossível, inalcançável, coisa que só existe nos textos. Não, é uma experiência viável. O que você precisa simplesmente é treinar de maneira tal a criar condições para ter pequenas experiências iluminadas. Ninguém sabe. Você continua sendo o idiota de sempre. Fazendo as coisas erradas de sempre, mas você “viu”. Então agora você já sabe. É possível. Eu percebi isso. Ok.
O que é preciso? Ter mais dessas experiências. Se tiver mais, mais, mais, vai chegar um instante em que de eventos extemporâneos, randômicos, que acontecem sem que você saiba quando nem porquê – um momento inesperado, mas que você sabe que só ocorre porque você anda fazendo zazen – eles podem se ampliar de segundos para mais segundos, mais tempo, até o momento em que você possa chamá-los. Ah, eu quero abrir essa janela agora. E torna-se possível, é uma habilidade.
À medida em que você aumenta essa habilidade, sua vida e a perspectiva da vida começam a mudar também. Porque aquelas coisas que parecem muito complicadas, vistas do ponto de vista de uma perspectiva de quem tem alguma experiência de kensho, elas não são tão terríveis, não são tão tremendas, porque você está olhando aquilo da perspectiva lúcida. É impermanente? É. Então, vai passar. É sofrido? Sim, é. Mas, faz parte do sonho. Ah, eu sei que é sonho, porque eu sei como é estar acordado. Então, todas as experiências da vida começam a mudar. À medida que elas mudam e vão invadindo sua vida, você pode se aproximar do que nós chamamos de satori.  (continua)