1) O senhor poderia falar sobre a impermanência?
Monge Genshô – Impermanência em sânscrito é “Anitya”, que é uma das marcas da existência. Toda existência é impermanente, não existe nada permanente e sólido no mundo. Nós, seres humanos, colocamos nossa felicidade na permanência, desejamos que nossos amores durem para sempre, não é assim que terminam os contos de fadas? “E foram felizes para sempre…” Temos o desejo pela estabilidade, gostaríamos de um emprego público com salário excelente e zero possibilidade de demissão. Gostaríamos de viver em um país de contos de fadas onde uma pessoa que cometesse um grave erro fosse aposentada compulsoriamente com salário integral. O problema é que colocamos nossa felicidade na estabilidade, estabilidade de todas as coisas, inclusive, como acontece em alguns contos de fadas, uma fonte da juventude onde pudéssemos beber de sua água e jamais envelhecer. O sonho da vida eterna.
Esse sonho de vida eterna é recorrente nas fantasias religiosas, onde teremos uma vida eterna em um corpo perfeito. Outras religiões têm o sonho de um “eu” sobrevivente com uma alma eterna que igualmente não envelhece ou morre. Um paraíso que dure para sempre, imutável. Do ponto de vista do Zen, talvez fosse isso um castigo, estar eternamente na mesma situação sem nunca ela se alterar.
A experiência mostra que quando uma pessoa se vê nessa situação ela sente-se mal. Imaginem uma pessoa em uma prisão. Ninguém poderá incomodá-lo, lhe será fornecida comida duas ou três vezes ao dia, essa pessoa terá cama, banheiro e comida para sempre. Uma prisão perpétua em solitária. Para o Zen isso seria um castigo inumano. É a situação da estabilidade perfeita: a pessoa recebe tudo, não tem contas para pagar, ninguém para incomodar, nenhuma situação que comece e termine, tudo perfeito.
Parece que a impermanência tem dois lados: de um, é a fonte de todo o sofrimento humano, pois ele coloca a felicidade na estabilidade mas, por outro lado, se você propicia a uma pessoa a estabilidade perfeita, ela poderá encarar como um castigo, pois é a vida sem aventura. Nunca me esqueço de quando estive em Andorra, um Principado que fica entre a França e a Espanha. Não existe moeda local, eles usam o Euro; não tem exército, vivem do turismo; todos os habitantes possuem casa, habitação e tudo funciona perfeitamente bem. Em Andorra os jovens se queixam que não existe nada para fazer, nada acontece no país, eles já sabem onde irão morar, com quem se casarão, onde trabalharão, não existe serviço militar, vivem de receber os turistas, sabem que terão a vida igual a de seus pais. Aposto que o pensamento deles é – “como eu gostaria de morar em um lugar como o Brasil, onde as coisas mudam constantemente”.
“Anitya”, a marca da impermanência, é ao mesmo tempo benção e maldição. Que bom que a gente envelhece e morre. Se fôssemos todos eternamente jovens não poderíamos amar e ter filhos, pois não haveria lugar no mundo para tanta gente. Para que haja lugar para os filhos temos que ir embora. Esse é o fluxo da vida e a impermanência.
Na semana passada falamos sobre os três corpos, o “Tri Kaya”, que é uma construção, é conveniente para raciocinar e pensar, mas não nos ajuda necessariamente no caminho da iluminação. A teoria budista pode construir outro tipo de ilusão, do erudito budista que imagina que saiba muito sobre o budismo, conhece muitos termos, mas não sabe viver. Esse tipo é ótimo para sentar em mesas de bar para tomar uma cerveja e impressionar os amigos com seus conhecimentos profundos.