Homens inquietos

Homens inquietos

Moriyamma Roshi
Pergunta – Gostaria que o Senhor falasse um pouco sobre a transformação da mente. Nesse processo existe sofrimento, porque algumas vezes, teoricamente, a gente sabe e entende, mas a grande questão – me corrija se estiver errada – é a prática, a convivência, a atitude da pessoa. Entre a teoria e a prática há um sofrimento de, talvez, querer e desejar chegar a esse ponto.
Monge Genshô – O simples fato de haver desejo – o desejo de se libertar – implica nesse sofrimento. Na realidade, todos os professores que eu conheci foram homens inquietos, com grandes desejos de se libertar que se entregaram a uma profunda e sofrida busca. Você tem toda a razão. Meu mestre, Moryama Roshi, ficou vinte anos dentro de um mosteiro e passou alguns anos, completamente sozinho nas montanhas, sem energia elétrica e tendo que carregar água. Ele costuma dizer que tomar banho era uma tarefa de três horas, pois tinha que carregar a água e fazer uma fogueira para aquecê-la. Nós estávamos em uma palestra e alguém perguntou a ele, “Mestre, o que o senhor aprendeu com tantos anos de retiro solitário?” ao que ele respondeu, “Bem, na primeira noite em que fiquei sozinho, na hora de dormir, eu não conseguia, porque sentia medo. Pensava que poderia ser surpreendido por um assaltante ou por um animal selvagem, visto estar em um local deserto, então, não conseguia dormir por medo. Depois desses anos sozinho, descobri que essa era a grande lição que tinha que aprender: eu tenho medo”.
Aluno – Eu queria entender um pouco a diferença entre esse estado de iluminação e o estado de adormecimento. Porque para vocês esse estado de iluminação, teoricamente, seria um estágio onde nada ocorre, onde a mente está obliterada, mas…
Monge Gensho – Eu acredito que essa visão não seja bem correta. Não se trata de uma obliteração da mente, em absoluto. Trata-se de um estado em que você tem clareza, ou seja, você pensa, raciocina e age, mas com clareza. Você vê claramente o resultado de suas ações, porque deve agir de determinada forma e toma decisões com clareza. A diferença da mente iluminada para a mente deludida é a clareza. Quando alguém está iluminado, sabe o que deve fazer, quando, como e de que maneira, sempre, limpidamente. Mas não significa que não aja no mundo, que não fale, que não lhe ocorram pensamentos; o que acontece é que estes não o levam de um lado para outro. Não é que não lhe surgem pensamentos, é que nenhum pensamento o arrasta. Se nós nos sentarmos e ficarmos com a mente completamente vazia, sem nenhum pensamento, Hui Neng, famoso mestre Zen do século sete depois de Cristo, chamaria isso de quietismo, e ficaria furioso. Vou lhes contar uma pequena historia Zen. Um monge chegou num mosteiro de um grande mestre Zen e pediu, “O senhor pode me ensinar, pode me aceitar?” “Pode ser – disse o mestre. “O que você já fez?” “Já treinei muito meditação, vou lhe mostrar”. Sentou-se rapidamente em posição de lótus com as pernas cruzadas e entrou, em segundos, em profundo samadhi. O mestre pegou um bastão e começou a surrá-lo expulsando-o do mosteiro e dizendo:”Budas de pedra já tenho muitos, nesse mosteiro”. Portanto, não é isso que é desejável, a libertação não é apagar-se, não é morrer, é outra coisa completamente diversa disso. A libertação tem dentro de si a ação, mas ação iluminada.