(continuação)
Dogen Zenji, fundador da nossa escola, 750 anos atrás, disse que “estudar o zen é estudar a si mesmo, estudar a si mesmo é esquecer-se de si mesmo, esquecer-se de si mesmo é ser iluminado por todas as coisas”. Esta é a essência do ensinamento zen budista, que automaticamente leva à construção de uma cultura de paz. Como não haveria paz se esquecêssemos de nós mesmo? Imaginem agora lá, naquele conflito entre israelenses e palestinos. Se eles amanhã esquecessem aonde nasceram, que raça têm, que cultura têm, que religião têm, eles olhariam uns para os outros e diriam: – “Olhos, nariz, boca, orelhas… braços como os meus. Oh, irmão!”. São brigas de adultos com idéias de crianças, com a noção de “eu sou separado”, “esta terra é minha”, “o outro é diferente de mim”, “ele é meu inimigo”. Se fossem capazes de esquecerem-se de si mesmos, tudo estaria resolvido. Então todo o conflito ali não está criado só com base na disputa de terras. Quando nós dizemos que vamos resolver o conflito fazendo tratados sobre fronteiras, trata-se de uma solução que não têm sustentação. Porque dentro das cabeças continua a noção de que “eu sou separado”, e depois das fronteiras surgem as disputas por territórios.
Enquanto na Europa cada país pensava e se via separado dos demais, houve terríveis guerras. No século XX houve uma mortandade horrorosa na Europa com as duas grandes guerras mundiais, tudo porque as pessoas acreditavam numa coisa chamada de “fronteiras”. – “Eu sou diferente do outro que está lá! E eu tenho medo dele!”. Uns tinham medo dos outros, e alguém tinha que atacar primeiro, de forma “preventiva”. Essa é bem a origem da 1ª. Guerra Mundial. – “Eu tenho que atacar o outro primeiro, porque ele está se armando. Então também estou me armando”. Mas do outro lado o pensamento é o mesmo. Foi daí que surgiu uma enorme catástrofe. Quando, no entanto, a região pensou – apenas parcialmente – em usar a mesma moeda e em abrir as fronteiras para a livre circulação de mercadorias e de pessoas, acabou completamente a perspectiva de um conflito. Hoje em dia é inimaginável que França e Alemanha, que se despedaçaram duas vezes no século XX, ou seja, há apenas 70 anos atrás, começassem uma guerra. Isso ocorreu porque os conflitos e as fronteiras foram diligentemente dissolvidos. Mas ali do lado, na parte oriental do continente, na Ucrânia, alguém pode pensar: – “Esta terra é minha, eu sou pró-Rússia”. Ou: – “Eu sou pró-Ucrânia. Eu falo uma língua, o outro fala outra língua”. Quando eles pensam assim, pronto! Está instalado o conflito! Se pelo menos não houvesse “meu e minha”, não haveria conflito…
Isto vale para todas as relações humanas. A cultura da guerra nasce do conceito de dualidade, nasce do conceito de que “eu sou separado, o outro não sou eu”. A cultura budista vem dizer que o dualismo é pura ilusão, todo “eu” é ilusão e, portanto, “meu, minha” também são ilusões. Assim, diferenças e distâncias entre os seres não passam de processos ilusórios. Por isso que os Votos do Bodhisatva são quatro: “os seres são inumeráveis, e faço voto de libertá-los todos; as delusões (ignorâncias, paixões, emoções) são inexauríveis, e faço voto de extingui-las todas; os portais do dharma são incontáveis, eu faço voto de atravessá-los todos [se eu meramente entender o portal do dharma sobre o eu, meu, minha, sobre a divisão e a separação, quantas coisas já estariam resolvidas?]; o caminho de Buda, o caminho do despertar, é infinito, e eu faço voto de percorrê-lo até o fim”. Estes são os Votos do Bodhisatva. E o bodhisatva é o ideal que o ser humano tem que seguir, na visão do budismo mahayana. (continua)